2023-05-04
Estaleiros relatam aumento no número de docagens e serviços de reparação naval em 2022

Estaleiros nacionais registraram aumento no número de docagens e serviços de reparo em 2022. Ainda que não compense a ausência de novas construções, a reparação naval se tornou uma atividade importante nos últimos 10 anos para garantir a manutenção dos equipamentos e de parte da mão de obra em instalações vocacionadas principalmente para a construção naval. A execução de reparos também vem sendo importante nos processos de recuperação judicial de estaleiros de grande porte, que precisaram se reestruturar a partir da crise iniciada em 2014. Navios de cabotagem e ativos do setor de petróleo e gás estão entre as principais apostas da indústria nacional nesse nicho.

O Atlântico Sul Heavy Industries (PE) vem se destacando na atividade de reparo desde 2020, quando retomou as atividades. No ano de 2022, o dique do então nomeado Estaleiro Atlântico Sul (EAS) ficou vazio apenas um mês, ao passo que, nos demais meses, a instalação contou com duas embarcações simultâneas, sendo uma no dique e outra no cais de acabamento, além da realização de uma docagem dupla no dique, com duas embarcações de clientes diferentes. “Em 2023, o EAS já tem contratos fechados e todos os slots em negociação. Há negociações em andamento, inclusive, para o ano de 2024”, destaca o diretor do estaleiro, Léo Delarole.

Ele conta que, quando o estaleiro iniciou na atividade de reparos, havia dúvidas com a reação do mercado, porque se tratava de um novo nicho de negócio. Delarole ressalta que, após estudar bem o mercado, agregar profissionais com know how ao time e ter realizado os primeiros reparos com qualidade, dentro do prazo contratado, o serviço se consolidou. “Com atendimento diferenciado a cada cliente, houve uma grande aceitação do mercado, nos qualificando como uma das principais alternativas para reparação naval do Brasil”, celebra Delarole.

Para o EAS, a demanda reprimida por docagens pós-pandemia ainda não acabou. A avaliação é que muitos armadores conseguiram o adiamento das docagens com as classes em virtude da pandemia, porém esses adiamentos começaram a expirar a partir de 2022. “O que observamos é uma demanda de um grande volume de armadores solicitando docagens para o mesmo período”, afirmou Delarole.

O diretor acrescenta que, passados mais de dois anos concentrados na atividade de reparo, o EAS se consolidou nesse mercado realizando reparos em diversos tipos de embarcações, de conteineiros e gaseiros a navios para transporte de químicos e barcos de apoio offshore. Ele conta que o estaleiro já atua em reparo de apoio offshore, porém conversão e upgrades são segmentos que estão sendo estudados.

O diretor do EAS explica que as principais atividades recorrentemente solicitadas são reparos de classe, que são realizados a cada cinco anos, e alguns reparos intermediários, de dois anos e meio. As atividades incluídas são tratamento de casco e pintura, manutenção no sistema de propulsão e governo, reparos estruturais e de acessórios e manutenção de equipamentos e, eventualmente, instalação do sistema de tratamento de lastro.

Em março de 2023, o EAS já havia realizado 35 reparos desde quando começou nesta atividade, no ano anterior. “Todas as nossas docagens foram de armadores nacionais. Ainda vemos poucas empresas internacionais interessadas”, acrescenta Delarole. Ele destaca que, desde a entrega do último navio construído em 2019, o EAS manteve um time de manutenção no site para manter as instalações e equipamentos preservados e em estado de rápida operacionalização. Segundo o diretor, isso fez com que poucos investimentos fossem necessários no início dos reparos.

O estaleiro Mauá (RJ), que realizou 36 docagens em 2022, vislumbra que há campo para melhorar, ligeiramente, esse desempenho em 2023. A diretoria comercial do estaleiro entende que a demanda por reparos/docagens está aquecida e deve permanecer assim durante este ano no mercado de apoio marítimo. “É nossa expectativa continuar com o dique ocupado nos próximos meses devido ao vencimento do prazo das docagens de classe e alterações em sistemas das embarcações devido à adaptação necessária das mesmas aos contratos que estão por vir por conta da entrada em operação dos novos FPSOs”, projeta a diretoria do estaleiro.

As principais apostas do Mauá estão nas demandas relativas ao setor de O&G. Além das demandas vindas do apoio marítimo, também as demandas oriundas do apoio portuário estão em aquecimento, porém concentradas nos estaleiros verticalizados, como os dos grupos Wilson Sons (SP) e Detroit (SC), por exemplo. O estaleiro Mauá observa que, além das docagens de classe, existe uma demanda para reparos de conversão e modernização para atendimento aos contratos novos do setor de O&G.

Para a diretoria do Mauá, não é possível visualizar no horizonte novas demandas de reparo provenientes do programa BR do Mar (14.301/2022). “As demandas existentes são por parte do aquecimento do setor de O&G. Não se sente ainda o resultado devido aos efeitos da entrada em vigor da BR do Mar”, comenta a equipe do estaleiro, por meio de nota. Para atender a serviços de reparo e upgrade da porta-batel, a diretoria do estaleiro tomou decisões com o objetivo de disponibilizar mais área de cais para suporte aos serviços.

A administração do estaleiro Enseada acredita que a demanda por reparos no pós-pandemia ainda não tenha sido completamente atendida. “Com o retorno gradativo das atividades após a pandemia, entendemos que as demandas têm potencial para crescimento, pois vários reparos podem ainda estar represados”, projeta o estaleiro, que já realizou manutenções/SPS e reparos em plataformas offshore, UMS (flotéis) e embarcações.

Na visão do Enseada, as demandas por reparo vindas dos setores de O&G e de cabotagem seguem como as principais apostas, por se tratar de segmentos com maior potencial para solicitar este tipo de serviço. “A Enseada vem apostando no reparo e manutenção associados ao apoio portuário, por entender que sua estrutura de complexo logístico-portuário, anexa ao estaleiro, é um grande diferencial competitivo”, destaca a empresa.

O Enseada ainda não está com seu dique seco operacional, de modo que as atividades de reparo do estaleiro são sempre realizadas com as embarcações atracadas a um dos cais multipropósito. Apesar de não identificar mudanças relevantes no perfil de demandas nos últimos anos, a empresa acredita que o mercado de reparo deve apresentar crescimento em 2023.

O Enseada é um complexo industrial, naval e logístico-portuário de última geração, com capacidade de processamento de mais de 36.000 toneladas de aço/ano por turno. A empresa avalia que não necessita no momento de atualizações ou investimentos adicionais para atender à demanda, exceto para trabalhos que demandam o uso de dique seco. O grupo também ainda não consegue dimensionar os impactos do BR do Mar para as atividades. 

A Ecovix Construções Oceânicas, que administra o Estaleiro Rio Grande (ERG), no Rio Grande do Sul, acredita que o setor de O&G ainda será o maior demandante de reparos, seguido pelas embarcações de cabotagem ou mesmo de longo curso. Mas destaca que a lei que criou o programa BR do Mar (14.301/2022) ainda não se refletiu em novas demandas aos estaleiros nacionais. “Temos uma expectativa de incremento (demanda por reparos). Somente nos dois primeiros meses do ano, recebemos mais solicitações de propostas do que em todo o segundo semestre de 2022”, relata o diretor operacional da Ecovix Construções Oceânicas, Ricardo Ávila.

Nas docagens de classe, as embarcações têm prazo para realizar alguns reparos. As revalidações são mandatórias para manter a chancela das classificadoras e para que o navio possa seguir em operação. Essas docagens normalmente ocorrem de cinco em cinco anos. Já as docagens emergenciais são aquelas onde é necessária alguma intervenção que não pode ser resolvida com a embarcação flutuando. “Temos recebido ainda algumas solicitações de docagens de classe, que em alguns casos foram postergadas pela pandemia. Mas, acredito que essa não será a tônica da demanda”, avalia Ávila.

A Ecovix não enxerga no apoio um segmento que demandará o ERG em grande escala, nem para serviços de reparo e manutenção, nem para upgrades e conversões. “Para nosso estaleiro, pelas dimensões da infra e distância dos centros de produção offshore, é difícil que tenhamos demanda por embarcações menores, como as de apoio portuário ou mesmo as de apoio offshore de menor porte”, analisa Ávila.

O diretor observa que, nos últimos dois anos, não houve mudança do perfil de serviços de reparo, manutenção e docagem. Ávila explica que, basicamente, são serviços relativos a renovação do certificado de classe, como serviços nas áreas de pintura, revisão de válvulas e equipamentos, algum serviço de tubulação e demais intervenções que precisam ser realizadas para que a embarcação possa passar mais cinco anos operando sem interrupção ou nova docagem.

Em 2022, o ERG realizou três docagens e um reparo com uma embarcação acostada em seu cais. Ávila diz que, recentemente, a Ecovix realizou alguns pequenos investimentos a fim de melhorar a performance nas atividades particulares da atividade de reparação. O diretor explica que foram feitas melhorias com base nas lições aprendidas nos reparos e devido à necessidade de se adequar à uma realidade mais competitiva. “Imaginamos que teremos um melhor número de dias de ocupação de dique, não necessariamente mais docagens”, projeta Ávila.

A Dock Brasil, especializada em reparos em dique flutuante, também tem expectativa de que a demanda continue aumentando em 2023. “Os preços terão aumentos maiores, pois os custos dos estaleiros com insumos, serviços e mão de obra estão crescendo rapidamente”, acredita o diretor da empresa, Carlos Boeckh. Ele nota que a pandemia atrasou investimentos em reparos e adaptações da frota de apoio offshore como, por exemplo, conversões e modificações específicas para atendimento do mercado de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás.

Na visão da Dock Brasil, essa demanda ainda não foi atendida e o número de docagens continuará crescendo em 2023. O setor offshore continua como principal mercado da empresa, principalmente com serviços para PSVs (transporte de suprimentos), AHTS (manuseio de âncoras) e OSRVs (combate ao derramamento de óleo). Entre os principais serviços de reparo demandados pelos armadores à Dock Brasil, estão o tratamento de superfície e pintura, manutenção e teste de válvulas, reparos estruturais e de tubulação, assim como manutenção e reparo do sistema de propulsão e de governo.

No ano passado, a Dock Brasil realizou 34 docagens no dique flutuante e outras 11 docagens em terra. “Realizamos 45 docagens em 2022. Nosso objetivo para os próximos anos é continuar aumentando o número de docagens e a taxa de ocupação das posições secas em terra”, projeta Boeckh. Outra aposta da Dock Brasil no ano passado foi a compra de equipamentos, como guindaste, plataforma elevatória, máquinas de hidrojato e máquinas de solda. “Investimos na construção de oficinas e em almoxarifado, aumentamos a área de posicionamento de embarcações em terra e aumentamos nosso efetivo”, detalha Boeckh.

O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) vê com atenção a questão da reparação naval no Brasil, com o objetivo de que sejam asseguradas as melhores condições possíveis para o progresso desse importante segmento de atuação dos estaleiros. A avaliação é que há necessidade de desenvolver esse mercado, que conta com um grande estaleiro especializado, Renave (RJ), que possui instalações para atendimento a grandes navios, além de outros estaleiros na costa brasileira e na Amazônia.

“A reparação naval é uma atividade que os estaleiros não especializados praticam quando a demanda por novas construções diminui. Assim, vimos nos últimos anos essa atividade ser exercida também em grandes estaleiros com instalações ociosas”, comenta o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha.

O Sinaval entende que o aumento da demanda por novos navios tende a regularizar o mercado de reparação, o que torna importante que os estaleiros construtores recebam encomendas e mantenham-se plenamente ocupados, deixando de concorrer num mercado que exige instalações adequadas e pessoal especializado na atividade de reparação. Rocha sugere que uma providência benéfica para o reparo naval de grande porte no Brasil seria a retomada da reparação dos navios da Transpetro no país, em vez de serem usados estaleiros da Argentina para essa finalidade.

O presidente do Sinaval lembra que, no horizonte de médio prazo, existe um novo mercado referente às atividades de desmonte e reciclagem de navios e estruturas marítimas. Um projeto de lei (1.584/2021) para viabilizar esse novo mercado tramita na Câmara dos Deputados. “As normas para execução dessas atividades ainda estão sendo discutidas pela Marinha e por órgãos como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]. Temos que aguardar essa regulamentação, que o Sinaval acompanha com interesse”, diz Rocha.

Site: Portos e Navios – 04/05/2023


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