2023-04-03
Sem metodologia para sobre-estadia, embarcadores temem prejuízo em caso de abusos

Usuários defendem que ANTAQ revise posicionamento com base em subsídios técnicos disponíveis para evitar excessos em cobranças. Armadores acreditam que opção regulatória de manter ‘status quo’ foi escolhida após avaliação aprofundada e que demonstrou alinhamento com mercado internacional de navegação

Mais entidades setoriais avaliam que haverá prejuízo aos usuários a partir da decisão da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) que arquivou o processo sobre a criação de uma metodologia para identificar a ocorrência de abusividade na cobrança de sobre-estadia (demurrage/detention) de contêiner. Já os transportadores marítimos acreditam que a opção regulatória de manter ‘status quo’ foi escolhida pela agência após avaliação técnica aprofundada e que demonstrou alinhamento com o mercado internacional de navegação. Na 539ª reunião ordinária, na semana passada, os diretores entenderam, por 4 votos a 1, que não existem elementos que comprovem de forma categórica casos de abusividade na cobrança.

Os usuários contestam, entre outros pontos, como é possível para a agência reguladora avaliar se o preço é abusivo sem uma norma para embasar tecnicamente esses critérios e dar segurança jurídica a essas análises. Representantes de embarcadores analisam quais os impactos para os tomadores do serviço logístico e de que forma podem contestar os argumentos adotados pelo colegiado. Esta semana, entidades como a Associação Brasileira dos Usuários de Transportes e da Logística (Logística Brasil) e a Associação de Usuários dos Portos da Bahia (Usuport) já haviam criticado a decisão,

O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) informou, por meio de nota, que ficou muito surpreso com o resultado, que entende ser ‘equivocado’, considerando que a equipe de técnicos da agência reguladora fez um ‘excelente e competente trabalho para ajudar a embasar a discussão, na expectativa de se obter uma decisão imparcial e exclusivamente técnica’.

Para o Cecafé, essa decisão traz insegurança e prejuízos ao setor exportador cafeeiro. “Nossa expectativa é que a ANTAQ revise o seu posicionamento, porque há subsídios técnicos, e profira uma nova decisão, mantendo-se coerente, técnica e imparcial, como a agência sempre se demonstrou em suas decisões”, disse o diretor técnico do Cecafé, Eduardo Heron.

A Associação de Exportadores de Açúcar e Álcool (Aexa), que representa empresas do setor sucroalcooleiro, também demonstrou descontentamento com a decisão tomada pelo colegiado, que divergiu da proposta anterior que previa trâmites normativos e institucionais com a finalidade de disciplinar a metodologia para determinar abusividade da cobrança. Para a Aexa, a proposta vencida, encaminhada pelo então diretor-relator, José Renato Fialho, no ano passado, foi plena em seu detalhamento e em observância aos procedimentos para apuração e análise técnica a serem cumpridos, tanto pelos interessados como pelo modus operandi a ser seguido pelos representantes da agência reguladora.

“Nosso entendimento é que o propósito do relatório de AIR (análise de impacto regulatório) é desenvolver metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêineres, o que de fato foi cumprido, ao contrário do voto equivocado”, manifestou a Aexa em nota. A associação também considera incongruente o comentário da diretora-revisora, Flávia Takafashi, que considerou em seu voto eventuais custos que, em caso de criação de metodologia, seriam gerados para estabelecer cobranças ou métricas específicas de abusividade nos casos concretos.

A Aexa também ressaltou que a decisão tomada determinou à Superintendência de Fiscalização e Coordenação das unidades regionais que elaborem a base de dados para fins de acompanhamento do comportamento de mercado. “É um resultado inconcebível para os exportadores e importadores que percebem que inexiste uma equanimidade no atendimento aos problemas de abuso há décadas, o que não os impedirá de reivindicá-las nas instâncias competentes”, afirmou a Aexa no comunicado.

Procurado pela Portos e Navios, o Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) manifestou que o entendimento da ANTAQ foi bem embasado e merece todo o reconhecimento da comunidade marítima internacional. A entidade congrega as 19 maiores empresas de navegação de longo curso em operação no Brasil, que juntas representam o transporte de cerca de 97% do comércio exterior brasileiro em contêineres.

“A ANTAQ, ao deliberar que não há abusividade na cobrança de sobre-estadias de contêineres e entendendo que não seria pertinente alterar a natureza jurídica da cobrança de demurrage, demonstrou muito amadurecimento no entendimento do funcionamento do mercado internacional de navegação, consequência da profunda avaliação técnica a que submeteu internamente o assunto”, comentou em nota o diretor-executivo do Centronave, Cláudio Loureiro.

A ANTAQ concluiu que não há abusividade de preços e que a prática de cobrança de sobre-estadia de contêineres no Brasil, em termos de custos e situações de cobrança, está ajustada à prática internacional, com exceção do Porto de Xangai, na China, onde são praticados preços inferiores. Na reunião de setembro de 2022 sobre esse processo, aberto em 2020, o diretor-relator à época, José Renato Fialho, recomendou a produção de um normativo por parte da Antaq. Na sessão da semana passada, porém, prevaleceu o voto da diretora-revisora, que propôs não entrar no mérito de qual seria a natureza da sobre-estadia e concluiu que não há necessidade de uma norma por não ter sido observada abusividade em tais práticas.

As associadas da indústria de arroz também foram surpreendidas com a decisão por acreditar que a diretoria da ANTAQ fosse acolher o trabalho da equipe técnica que serviu de evidência para o voto de Fialho, quando ele estava à frente da relatoria do processo, aberto em 2020. A avaliação da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz) é que o voto revisor a favor do status quo do modelo atual expõe seus associados ao risco de condenação judicial para o pagamento de valores elevados a armadores e agentes em ações de cobranças judiciais, foro buscado por credores.

“Na nossa avaliação, o voto revisor e os debates entre os diretores mostraram uma certa falta de conhecimento mais amplo sobre práticas desse mercado. Lamentamos que o voto tenha sido seguido pelo diretor-geral (Eduardo Nery), e pelos demais diretores (Alber Furtado e Caio Farias)”, expressou o advogado Osvaldo Agripino de Castro Júnior, que representa a Abiarroz.

A associação considera que a proposta vencida, do relator anterior para regular o tema, é plena em seu detalhamento e observa os procedimentos para apuração e análise técnica a serem cumpridos pelos regulados como pelo modus operandi a ser seguido pelos representantes da agência. Na avaliação da Abiarroz, o propósito do relatório de AIR é desenvolver metodologia para identificar a abusividade na cobrança de sobre-estadia, o que entende ter sido cumprido.

“Trata-se de uma decisão incompreensível para os exportadores e importadores, por entendermos que não houve isonomia no tratamento do gerenciamento do risco do armador e do usuário, o que mantém problemas existentes há décadas. No entanto, isso não impedirá a Abiarroz de continuar a sua luta nas instâncias competentes, inclusive o TCU, para que haja modicidade no serviço prestado aos seus associados”, analisou o advogado. Ele ressaltou que a Abiarroz ainda espera que a decisão seja reformada pela ANTAQ, a fim de garantir equilíbrio no serviço de transporte marítimo de contêiner.

Site: Portos e Navios – 03/04/2023


Voltar