Para consultora, ‘cemitério de navios’ na Baía de Guanabara representa riscos
Colisão de graneleiro à deriva com Ponte Rio-Niterói, no último dia 14 de novembro, chamou atenção para embarcações sem tripulação e que podem ocasionar diferentes tipos de acidentes
No último dia 14 de novembro, a Ponte Rio-Niterói ficou fechada por mais de 3 horas, após um graneleiro se desprender e atingir pilares de sustentação da via. O incidente não surpreendeu engenheiros e ambientalistas que há anos acompanham e alertam para os riscos dos navios que estão ancorados, sem tripulação, na Baía de Guanabara. Segundo a engenheira e consultora ambiental Kerlency Farias, resíduos como tinta, ferro e aço, resíduos sanitários, orgânicos, cabos elétricos, óleos lubrificantes, tambores de plástico, restos de madeiras, e diversos outros tipos de materiais em menor quantidade, ficam sendo sendo decompostos, gradativamente, dentro da baía.
"Os resíduos presentes nos navios irão contaminar a água, o solo e, consequentemente, as espécies de fauna e flora e a população. Promovendo toxicidade crônica, em que os efeitos tóxicos ocorrem gradativamente ao longo do tempo. O que é um verdadeiro descaso, principalmente diante da situação de poluição em que a baía já se encontra atualmente", lamentou Kerlency em entrevista à Portos e Navios.
A engenheira afirmou que o óleo lubrificante, que pode estar presente nessas embarcações, contamina a água e pode criar películas na superfície. Dessa forma, a entrada de ar fica impedida e os níveis de oxigênio dissolvidos diminuem, afetando as populações ali existentes. "Esse é um componente tóxico que, segundo a legislação Conama 362/2005, deve ser recolhido e deve ter destinação final adequada, que é a reciclagem por rerrefino. A questão ambiental também é questão de saúde pública. Esses resíduos podem ocasionar a longo prazo dermatites, diarreia, lesões nos tratos digestivos, entre outros. Principalmente porque a baía recebe grande quantidade de banhistas em suas praias", mencionou.
Em nota, a ONG do Movimento Baía Viva, escreveu que “o cemitério de navios que assombra há 30 anos a baía coloca em risco a vida dos cariocas”. Os ativistas monitoram a baía desde 1984 e afirmam que ao longo deste tempo cresce o risco de vazamento de óleo, outras substâncias químicas e metais pesados oriundos dessas embarcações. "Elas estão apodrecendo no fundo da baía ou ancoradas no espelho d’água de forma precária e insegura, sem dispor da devida fiscalização periódica que deveria ser realizada por órgãos ambientais como o Inea (Instituto Estadual do Ambiente) ou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), nem mesmo pela Capitania dos Portos”, comentaram.
Atualmente, não há um número exato oficial da quantidade de navios que estão na baía. Mas, segundo o jornalista e ambientalista Emanuel Alencar, autor do livro "Baía de Guanabara: Descaso e Resistência" (2021), um levantamento da Capitania dos Portos para a obra contabilizou 78 embarcações abandonadas, sendo que algumas estão há mais de 40 anos na região. Para Farias, a fiscalização impediria que os proprietários "simplesmente abandonassem os navios''.
Em uma reportagem do Metrópoles, publicada em 2021, a Marinha afirmou que as atividades de inspeção naval rotineiras “não apontam para situações que implicam comprometimento da segurança da navegação ou risco de poluição hídrica”. Já a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro (CPRJ), disse à época que “realiza diariamente atividades de inspeção naval, verificando a ordem de segurança da navegação e a prevenção da poluição hídrica”.
A especialista em soluções ambientais afirmou que além da fiscalização é necessário também que haja locais adequados para que o desmanche seja realizado. "Não adianta apenas fiscalizar e aplicar multas sem promover as condições necessárias para que as medidas ambientalmente adequadas possam ser realizadas pelos proprietários dos navios", comentou.
Segundo Kerlency, o desmantelamento exige um grande investimento financeiro, de pessoal, e de saúde dos trabalhadores, para que essas embarcações possam ser desmontadas por partes. Posteriormente, os materiais recicláveis necessitarão de transporte para que sejam encaminhados para a reciclagem e destinação final e sustentável. Para isso, ela vê a necessidade de que haja estaleiros de desmonte em condições ambientalmente adequadas para que esse procedimento seja realizado com segurança.
Site: Portos e Navios – 28/11/2022
