Mesmo com infraestrutura insuficiente, segmento de carga de projeto tem boas perspectivas, principalmente no setor eólico
Falta de calado ou de profundidade adequada, faixa portuária estreita e com pouco espaço para atracação de navios especializados em cargas de projetos são alguns dos principais entraves para o crescimento do setor de over-sized ou heavy-lift. Faltam ainda guindastes capazes de içar carregamentos superpesados e há equipamentos obsoletos ou inapropriados, entre outras precariedades. Mas não só no Brasil, pois os problemas são encontrados em várias portos e terminais portuários do mundo. As cargas heavy-lift envolvem quaisquer tipos que tenham dimensão ou peso acima do permitido para o embarque em contêineres, exigindo equipamentos especiais para todas as etapas da logística e de transporte, a exemplo de partes e peças de equipamentos industriais, guindastes, reatores, torres, geradores, transformadores, turbinas, pás eólicas e outros de grande porte.
William Pereira, especialista há 20 anos na gestão de cargas de projetos, inclusive com participação nessa área em Angola, lembra que os grandes projetos industriais — especialmente os de infraestrutura, energia, mineração e indústria naval — necessitam de apoio logístico para a logística de transporte, de forma segura e eficiente. Isso porque esses carregamentos, devido ao porte, além de não permitirem embarques em contêineres, ultrapassam muitas das normas ou leis em vigor para o transporte rodoviário no país. “Em 2019, a situação estava em um patamar mais favorável em relação aos grandes volumes de cargas de projeto. Depois veio a pandemia e isso acabou esfriando o mercado. Alguns complexos investiram bastante em infraestrutura, com destaque para alguns portos e terminais portuários no Espírito Santo. Como o Porto do Açu no Rio de Janeiro, que está retomando suas cargas de projetos. Houve essa parada por causa da Covid-19, mas agora já estamos retomando”, afirma Pereira.
O especialista destaca que a logística de cargas de projeto começa na fase de análise de viabilidade, muito antes do contrato de venda ser firmado, e as empresas que lidam com esse tipo de carga estudam com antecedência os custos. “Algumas empresas até fazem esse levantamento de viabilidade estrutural para o transporte, mas a maioria delas não tem foco na logística, concentrando esforços na fabricação. Tanto que alguns equipamentos óleo e gás dos principais fabricantes do Brasil ainda são fabricados fora d’água, ou seja, muito distantes do mar. Agora é que começaram a fabricar e a montar esses equipamentos à beira d’água, como no Espírito Santo e no Rio de Janeiro”, relata Pereira.
Mesmo diante de algumas melhorias, ele reforça que as empresas que operam heavy-lift não levantaram questões relacionadas à logística de movimentação dessas cargas pelas rodovias brasileiras. Elas não estão preparadas para esse tipo de tráfego: “E com as concessões para o setor privado, as empresas de engenharia das nossas rodovias criam muitos obstáculos para o transporte das cargas de projetos, o que dificulta e muito que sejam elas transportadas entre estados”.
Na visão de Pereira, outro ponto crucial é a diária do navio, considerando que a capacidade de carregamento de guindastes a bordo é fundamental, dependendo dos locais de operação, o que impacta diretamente no valor do frete. “Quando falamos de navios heavy-lift, realmente a diária acaba saindo muito cara e, em muitos locais, como no Rio de Janeiro, eles não têm capacidade para tirar essa carga de dentro do navio, muito menos de movimentá-la no cais.”
Ele acrescenta que esse cenário acaba sobrecarregando a demanda: “Muitas vezes, você sequer possui um equipamento desse porte, disponível a qualquer momento. Ninguém tem isso na prateleira, fora o custo altíssimo de mobilização e desmobilização da montagem/desmontagem. Então, a falta de infraestrutura acaba impactando o valor do frete marítimo e/ou rodoviário, sendo que muitas dessas empresas não colocaram isso no custo total, o que acaba agregando um valor muito alto no preço do equipamento”.
Na opinião do especialista, além das questões de infraestrutura portuária e de transporte rodoviário de cargas de projetos, poucas empresas têm profissionais qualificados e experientes nesse tipo de logística, que possam ser responsáveis pela operação porta a porta, levando à eficiência operacional e à redução de custos, além de minimizar os riscos para os equipamentos e para as pessoas.
“Nos últimos anos, o cenário melhorou bastante em torno da qualificação de empresas no Brasil, mas ainda é muito pouco, porque temos de nos concentrar em poucas companhias para esse tipo de movimentação de cargas de projetos. Isso porque, quando falamos de movimentação de cargas de projetos, não estamos tratando somente da logística marítima, pois temos a logística terrestre”, lembra Pereira.
Para ter ideia do cenário, ele relata que são raríssimas as empresas, no Brasil, com soluções de logística integrada com a movimentação de carga no mar e na terra: “Algumas têm guindaste, outras não; algumas possuem linhas de eixo, outras não. Então, é tudo muito complicado. Muitas vezes, nós temos de trabalhar com duas a três empresas no mesmo projeto, para a movimentação dessas cargas, porque elas não se especializaram nas movimentações como um todo, com balsas, cábreas, guindastes de alta capacidade, equipamentos de transporte, como as linhas de eixo para as rodovias”.
Diretor comercial da Norsul, Gustavo Paschoa destaca que os projetos que demandam transporte/movimentação de cargas heavy-lift estão ocorrendo de forma até mais animadora do que em anos anteriores, especialmente impulsionados pelo setor energético envolvendo novos projetos eólicos solares. O cenário é promissor particularmente para os projetos eólicos offshore.
“Os grandes fabricantes de equipamentos especiais — com excesso de peso e dimensões — estão com compromissos acordados com novos projetos para os próximos anos, o que nos traz um otimismo quanto ao aumento de cargas de projetos sendo movimentadas em nossa costa pelo modal de cabotagem”, diz Paschoa.
Já o diretor comercial da Triunfo Logística, Alexandre Lima, reforça que esse mercado, em tempos de pandemia, ficou muito retraído, mas que agora realmente está voltando com a movimentação de cargas de projetos, no entanto mais voltada para o setor petrolífero. “Estamos percebendo um grande aumento na demanda de projetos para o setor eólico, mas ainda não sabemos qual será a parcela desse investimento no estado do Rio de Janeiro, por exemplo. Mas estamos atentos a essa movimentação”, comenta Lima.
O gerente comercial de contas da Manobrasso, Rafael Cardoso, também concorda que as operações heavy-lift estão demonstrando um crescimento substancial, principalmente se levado em consideração o último biênio. “Temos notado uma projeção mais animadora no que diz respeito à movimentação envolvendo cargas de projetos, liderados pelos modais marítimo e rodoviário. Impulsionados, principalmente, pelo setor de energia como o segmento de pás eólicas e geradores, entre outros”, cita ele.
O gerente de afretamento da Posidonia Shipping, Nikolas Navarro Ikonomopoulos, destaca que essa retomada está ocorrendo aos poucos: “A movimentação ainda é tímida se comparada aos anos anteriores, quando houve grandes projetos de infraestrutura. Porém, já está melhor do que nos os tempos mais recentes. Já o futuro parece promissor, pois observamos diversos projetos, com início para 2023 — terão uma grande demanda para o transporte de cargas especiais”.
Paschoa destaca que, além do segmento de energia estar bem aquecido, especialmente no de energia eólica, também está surgindo muito projeto de infraestrutura offshore. “O setor de óleo e gás vem trazendo uma demanda de transporte/logística de cargas de projetos com grandes propostas em seus pipelines”, informa o diretor comercial da Norsul, destacando que a empresa está trabalhando, atualmente, com projetos para a logística de pás e torres eólicas, além de geradores e transformadores.
Segundo Cardoso, as demandas atuais têm sido bem específicas para cada região do Brasil, sendo que no Sul, por exemplo, equipamentos industriais são os que exigem mais projetos. “Nas regiões Norte e Nordeste, alguns terminais estão realizando upgrade em suas infraestruturas, já que as cargas especiais acabam demandando operações em guindastes e shiploader, entre outros equipamentos. Se for considerar uma relação nacional, sem dúvida, o setor de energia tem se destacado com as pás eólicas e geradores, pois agregam diferentes tipos de modais em seus respectivos projetos”, avalia o gerente comercial de contas da Manobrasso
Passada a pior fase da crise sanitária global, causada pela pandemia da Covid-19, Paschoa acredita que o momento seja de recuperação da movimentação de cargas de projetos voltada para o setor de energia. “Vejo que o segmento de energias alternativas demostra que liderará a demanda por serviços logísticos de cargas especiais, sendo puxado pela necessidade que temos de acelerar nosso processo de descarbonização em nossa economia, alavancado por um dos principais processos, que é o de transição energética, para uma base renovável e sem derivados de combustíveis fósseis”, elenca o diretor comercial da Norsul.
Lima também observa um aumento gradativo de cargas heavy-lift ao longo de 2022. “A expectativa para 2023 é de um aumento maior, até porque temos vários projetos de EPCI (Engineering, Procurement, Construction and Installation) para FPSO e também parques eólicos, que devem aumentar — e muito — a movimentação de cargas de projetos”, acredita o diretor comercial da Triunfo Logística.
Por se tratar de um setor diretamente ligado a um número considerável de empregos e renda, Cardoso tem certeza de que esse cenário trará impactos diretos na economia do país. “Com o investimento em infraestrutura e a busca por soluções voltadas aos tipos de energias renováveis, podemos dizer que existe, hoje, uma retomada econômica do Brasil no setor de energia”, afirma o gerente comercial de contas da Manobrasso.
Já o gerente de afretamento da Posidonia Shipping, Nikolas Navarro Ikonomopoulos, vê o atual cenário com mais cautela: “Ainda não se pode falar em recuperação, mas aos poucos, os projetos vão ganhando força e saindo do papel”.
Lima informa que, recentemente, a Triunfo Logística concluiu a operação de recebimento, armazenagem, movimentação e embarque de manifolds da FMC Technologies do Brasil: “Foram dois embarques seguidos, sendo o primeiro com três manifolds e o segundo, mais dois. Foram cargas pesando cerca de 190 toneladas cada e que exigiram um estudo de ‘rigger’ bem elaborado, para que pudéssemos efetuar seus manuseios”.
Em setembro, a companhia também fechou dois contratos de EPCI (contrato de engenharia, aquisição, fabricação, instalação e pré-comissionamento) com a Subsea 7 — o primeiro para o Campo de Bacalhau e o segundo para o Campo de Mero 3, ambos localizados na, na Bacia de Santos. “Nesses dois contratos, vamos trabalhar com cargas de projetos especiais, como bobinas de flexíveis e umbilicais, pesando até 400 toneladas; mooring piles com até 24 metros de altura e pesando até 180 toneladas; além de vários materiais de ancoragem com pesos diversos”, adianta Lima.
Cardoso, por sua vez, conta que a Manobrasso realizou uma operação desafiadora e complexa no Nordeste, desta vez, com a nova cábrea Manobrasso 500, que é dotada de um potente guindaste com capacidade de 500 toneladas, sistema de fundeio completo e giro de 360 graus. “Inicialmente, nós mobilizamos um guindaste de 500 toneladas, que foi transportado do Rio de Janeiro para o Maranhão com a utilização de 28 veículos, entre carretas e pranchas. Após mobilizar esse guindaste, movimentamos uma nova lança de um descarregador de navio com peso de 120 toneladas, do Porto do Itaqui para o Porto da Alumar (ambos no Maranhão), local onde a nova lança foi instalada”, relata o gerente comercial de contas da Manobrasso.
Já o gerente de afretamento da Posidonia Shipping, Nikolas Navarro Ikonomopoulos, conta que a companhia realizou, recentemente, o transporte de dezenas de unidades de cargas de projetos, todas produzidas no Sul do país, para a instalação de um parque eólico que está sendo desenvolvido no Nordeste.
“Nossa empresa possui, em sua frota, uma embarcação muito interessante para esse tipo de transporte, devido ao seu tamanho, que acomoda cargas de grande porte e a navegabilidade, conseguindo atingir uma velocidade que chega ao dobro da velocidade de navegação de outras do gênero. Esses diferenciais trazem agilidade no transporte e redução de custos para o embarcador”, garante ele.
Site: Portos e Navios – 21/11/2022
