2021-09-29
ANTAQ considera abusivo responsabilizar despachantes por débitos de demurrage de contêineres

Diretoria colegiada entendeu que categoria não deve responder por questões diretamente ligadas ao transporte da carga por não participar da formalização do contrato de transporte marítimo internacional. Multas por descumprimento, com base na RN-18/17, podem chegar a R$ 100 mil.

 A diretoria colegiada da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) declarou ‘irregular e abusiva’ a prática de responsabilização solidária dos despachantes aduaneiros por débitos relativos à demurrage de contêineres. A ação administrativa foi provocada pela Procuradoria da República no Estado do Rio Grande do Sul, após consulta do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio Grande do Sul (SDAERGS). A decisão, por dois votos favoráveis e um contrário, prevê a pena de submissão às medidas preconizadas pela resolução normativa 18/2017 da agência, que dispõe sobre direitos e deveres de usuários, agentes intermediários e armadores. A matéria foi discutida na 509ª reunião ordinária da diretoria colegiada, realizada entre 13 e 15 de setembro. Foi voto vencido o diretor Adalberto Tokarski, relator do processo.

Em seu voto, a diretora Flávia Takafashi concordou com o voto condutor e com superintendência de regulação da ANTAQ em relação à defesa de que a prática de responsabilização solidária dos despachantes aduaneiros pelo pagamento da demurrage representa ‘conduta abusiva e não aderente às boas práticas comerciais, sem paralelo no mercado internacional’. Ela ressaltou que a petição do sindicato ao Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul (MPF-RS) expôs que o poder judiciário, mesmo após a publicação da RN-18/2017, vinha reconhecendo como válida a assunção da responsabilidade por parte do despachante aduaneiro tendo como fundamento que o termo de responsabilidade solidária assinado pelos despachantes teria viés de contrato de adesão.

“A esta altura, uma vez enfrentada a questão pela ANTAQ e restando claro que o despachante aduaneiro não participa da formalização do contrato de transporte marítimo internacional — e que, por conta disso, não deve ser instado a responder por questões diretamente ligadas ao transporte da carga, como é o caso da demurrage — entendo ser de bom tamanho determinar que as empresas que assim procedam se abstenham de prosseguir com a prática por questões alheias a seu nicho de atividades”, considerou Flávia em seu voto. A diretora entendeu que a atividade de despachante aduaneiro tem como natureza principal a nacionalização da carga. Ela acrescentou que, caso a prática considerada irregular persista, a ANTAQ deverá apurar cada caso concreto materializado, podendo adotar sanções conforme a RN-18/2017.

Para o advogado Marcel Nicolau Stivaletti, sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller (RMM), foi uma decisão importante porque o judiciário já havia decidido em outras ocasiões que o despachante poderia ser responsabilizado, já que assina documentos acerca do transporte da carga. Stivaletti disse que, nos casos em que atuou, sempre defendeu que o despachante não poderia ser responsabilizado em hipótese alguma, por entender que, nessas situações, esses profissionais assinam como representante do importador, e não como despachantes aduaneiros. “Na prática, o despachante está na linha de frente e, muitas vezes, é ele quem acaba assinando o termo de responsabilidade pela devolução do contêiner, apesar de estar como representante do importador ou agente de cargas, que outorga poderes para que ele faça isso”, explicou. O risco apontado na ação do sindicato é que, ao chegar ao judiciário, esse despachante corria o risco de ser responsabilizado pela sobre-estadia.

Stivaletti interpretou que a decisão da ANTAQ, basicamente, fala que o despachante aduaneiro tem como essência a atividade voltada ao desembaraço, não participando da formalização do contrato de transporte e não podendo responder por atividade fora de seu nicho de atuação. O advogado salientou que o acórdão prevê que, se o transportador responsabilizar o despachante aduaneiro pela devolução do contêiner e pelo atraso, estará sujeito às infrações previstas na RN-18/2017, que podem chegar a até R$ 100 mil em multas. “A partir de agora, se espera que o poder judiciário olhe para a decisão técnica, que está dizendo que é descabida a cobrança contra o despachante, com pretensa responsabilização. É importante que os juízes saibam da visão do órgão técnico”, defendeu.

O advogado espera que essa decisão se estenda a outros estados e sindicatos, ampliando a comunicação entre as instâncias. Segundo Stivaletti, foi importante o MPF-RS ter tido a sensibilidade de provocar a ANTAQ sobre os questionamentos do sindicato. Ele não acredita que armadores vão descumprir a decisão tendo ciência de que podem responder nos termos da norma da ANTAQ. O advogado considera que a decisão trouxe um pouco de tranquilidade ao setor de despacho aduaneiro. “A decisão [da ANTAQ] foi feliz porque demarca o que é, o que faz o despachante aduaneiro e o que representa esse transporte”, analisou.

Site: Portos e navios – 29/09/2021


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