Decisão no TST considerou lícito afastamento de portuário com base em MP da pandemia
Juízes da 5ª Turma da Corte do Trabalho entenderam, de forma unânime, que não houve discriminação por idade. Trabalhador avulso entrou com recurso extraordinário para análise do processo em subseção do TST e no STF
A 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) negou recurso de um trabalhador portuário avulso (TPA) contra decisão que considerou lícito seu afastamento pelo órgão de gestão de mão de obra (OGMO) do Porto de Vitória (ES), em razão da sua idade, durante a pandemia da Covid-19. O colegiado entendeu, por unanimidade, que o órgão agiu com base em medida provisória 945/2020 que tratava do enfrentamento da pandemia no setor portuário e manteve a rejeição ao pedido de indenização do trabalhador que alegou prejuízos. O portuário apresentou recurso extraordinário e embargos, para que o processo seja analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela subseção I, especializada em dissídios individuais (SDI-1) do TST.
A MP 945/2020 estabeleceu medidas especiais para a preservação das atividades portuárias, consideradas essenciais no auge das restrições sanitárias no país. A norma proibia o OGMO de escalar avulsos em diversas hipóteses, entre elas idade igual ou superior a 60 anos e diagnóstico de comorbidades preexistentes. Pela medida, os avulsos teriam direito, durante o impedimento da escalação, a uma indenização compensatória de 70% da média mensal recebida. Não tinham direito a ela os trabalhadores que recebessem qualquer benefício previdenciário. Com a conversão da MP na Lei 14.047/2020, em agosto de 2020, a idade para afastamento passou a ser de 65 anos.
A advogada trabalhista, Cecília Cabral, percebe que, apesar da determinação de afastamento temporário dos trabalhadores que se enquadravam no grupo de risco, a Lei 14.047/2020, que sucedeu a MP 945/2020, garantiu ao trabalhador portuário avulso o direito ao recebimento de uma indenização compensatória mensal correspondente a 70% sobre a média mensal recebida por ele entre 1º de outubro de 2019 e 31 de março de 2020. “Ainda que se entenda ter havido uma redução da remuneração, o legislador teve o cuidado de garantir uma indenização mínima enquanto perdurasse o impedimento para participar do rodízio de escala para trabalhar”, analisou Cecília, que atua no escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados.
O ministro-relator do recurso, Breno Medeiros, considerou que não houve discriminação arbitrária dos trabalhadores avulsos idosos, pois o tratamento desigual se justifica pelo enquadramento das pessoas acima de 60 anos no grupo de risco da Covid-19. Medeiros observou que o objetivo da MP foi alcançar o maior número possível de beneficiários desassistidos e que o OGMO apenas cumpriu o parâmetro normativo vigente ao tempo da medida. Ele também avaliou que a mudança dos critérios etários na conversão da MP em lei foi possibilitada pela melhora da realidade pandêmica.
Cecília observa que essa redução salarial foi considerada lícita e constitucional, em razão da situação excepcional gerada pela pandemia, momento em que foi necessário sopesar direitos fundamentais. A advogada considera que o relator pontuou bem a questão ao avaliar que “havia uma legítima motivação política e um fundamento constitucional relevante e urgente para a edição da MP 945/2020”. Ele observou ainda que, na ocasião, habitavam o debate público temas como a preservação da vida, assim como a atenuação das perdas econômicas decorrentes da paralisação de atividades produtivas e serviços.
“Nos casos do grupo de risco, o direito à vida e a saúde prevaleceram sobre o direito à irredutibilidade salarial, ante a necessidade de se preservar e dar mais segurança àqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade perante os graves efeitos e complicações com a doença”, comentou a advogada à Portos e Navios.
Cecília lembra que, durante o estado de calamidade pública e isolamento social, houve o ajuizamento de uma série de demandas individuais semelhantes ao caso julgado recentemente pelo TST. A maioria dessas ações discutia a legalidade do afastamento dos trabalhadores acima de 60 anos, que foram impedidos de participar do rodízio de escala dos trabalhadores portuários avulsos, bem como discutiam a constitucionalidade dos critérios definidos na MP para percepção da indenização compensatória. A advogada entende que, apesar de a decisão não ter efeito vinculante e obrigatório, o julgamento do tema pela turma do TST, enfrentando o complexo conflito de direitos fundamentais dos trabalhadores, certamente ajuda a criar uma jurisprudência, além de auxiliar os tribunais regionais no julgamento de casos semelhantes.
Para a especialista, com o grande avanço do controle epidemiológico e com a revogação das medidas restritivas impostas durante o pico da pandemia, essas demandas judiciais se tornarão cada vez menos recorrentes na Justiça do Trabalho. Ela acrescentou que, atualmente, não há nenhuma restrição ou normativo legal determinando o afastamento de empregados do grupo de risco. “As regras de restrição foram criadas para regulamentar situação temporária. Encerrando-se o estado de calamidade pública, também se encerrou a vigência dessas normas. No entanto, é possível que ainda remanesçam algumas demandas propostas à época da pandemia”, afirmou.
O portuário relatou no processo que foi impedido de trabalhar no Porto de Vitória (ES), ao completar 60 anos, em junho de 2020, mesmo sem ter nenhuma comorbidade, só podendo retornar em setembro, com o aumento da idade pela lei. Como ele havia se aposentado pelo INSS em janeiro de 2019, ficou esse período sem receber a indenização prevista na norma. A defesa do recorrente alegou que houve violação dupla de direitos: a proibição de trabalho, por motivo de idade, e o não recebimento da indenização. A ação pediu a condenação do OGMO ao pagamento dos salários que receberia no período, além de indenização por danos morais. Já a defesa do OGMO justificou no processo que tem o dever de cumprir, imediatamente, as normas impostas pelo poder público e garantir a segurança dos trabalhadores registrados em seus quadros, “sob pena de incorrer em falta grave e ser autuado pelos órgãos de fiscalização”.
Na 13ª Vara do Trabalho de Vitória (ES), o juízo entendeu que não houve discriminação, pois a MP buscou proteger pessoas que, em tese, seriam do grupo de risco. A sentença ainda registrou que o direito constitucional ao trabalho não é absoluto: havendo conflito entre dois ou mais direitos fundamentais, e não sendo possível harmonizá-los, precisa-se eleger o princípio mais relevante naquele momento - no caso, o direito à vida e à saúde da coletividade. Quanto à indenização barrada aos aposentados, o juízo entendeu que, diante da dificuldade de indenizar todos os avulsos afastados, é coerente excluir os que já tinham renda.
O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) manteve a decisão, com o entendimento de que os atos praticados na vigência da MP 945/2020, antes da conversão em lei, continuam válidos, mesmo com a alteração posterior. Por ter feito 60 anos na vigência da medida provisória, o trabalhador não foi escalado pelo OGMO, o que voltou a ocorrer assim que a lei de conversão alterou a idade para 65 anos.
Site: Portos e Navios – 14/04/2023