Portos inteligentes
A tecnologia tem sido cada vez mais valorizada pelas empresas. A Pandemia da Covid-19 apenas apressou um processo que já estava em andamento. Não importa o campo de atuação, a exigência por máquinas que otimizem o tempo e o trabalho é a grande demanda do mercado.
No setor portuário não é diferente. Com movimentação crescente e previsão de aumento, investimentos em novas tecnologias que agilizem as operações se fazem extremamente necessários. Só no primeiro semestre de 2021, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), os portos brasileiros movimentaram 591,9 milhões de toneladas. As informações constam do painel Estatístico Aquaviário da Antaq. Para este ano, a estimativa da agência é de 1,218 bilhão de toneladas, o que representa um aumento de 5,5% do setor em relação ao ano passado. O planejamento e a sinergia entre as etapas de movimentação de uma determinada mercadoria são vitais para o fluxo das operações. No exterior, isso já é uma realidade. Portos como o de Tianjin, na China, e de Rotterdam, na Holanda, usam tecnologia de ponta em todas as etapas do processo de descarga e carregamento de um navio.
Diante desse cenário, os portos brasileiros que aprimoram seus processos são priorizados no mercado. Tanto portos públicos quanto terminais privados já iniciaram projetos de automação. É o caso do Porto de Suape, localizado em Ipojuca, na Grande Recife (PE). Uma parceria com o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), localizado no ambiente do Porto Digital, promete tornar o porto pernambucano o mais moderno do país. O acordo tem por objetivo auxiliar a estatal no desenvolvimento de soluções inovadoras para renovar e agilizar as operações, além de suprir as necessidades de comunicação com o setor portuário do Brasil e do mundo.
De acordo com Francisco Martins, diretor de Planejamento e Gestão do Porto Suape, a iniciativa surge a partir dos desafios de sustentabilidade econômica, eficiência operacional e aumento da movimentação que apontam para uma contínua busca de maior competitividade nos cenários nacional e internacional. Utilizar plataformas que visam à integração de sistemas, comunicação entre anuentes e automação de processos, os chamados Port Community System – PCS (Sistema da Comunidade Portuária), é imprescindível. “Estamos na fase de diagnóstico, para que todos os processos de Suape sejam mais ágeis, menos dependentes de etapas manuais, como anotações, planilhas, tradicionalmente preenchidas de forma muito precária. Quando a gente falar de Suape, vai falar de um porto moderno, um porto em que os processos são ágeis, automatizados, integrados. Movimentação de cargas envolve tantos atores que a gente precisa ter uma plataforma comum para interagir”, afirma o diretor.
Suape foi um dos quatro portos a implantar o PCS, além de Itajaí, Santos e Rio de Janeiro. “Esse é um sistema onde todos os atores envolvidos na movimentação de mercadoria participam, interagem, agem sobre uma mesma base e a partir daí geram processos mais dinâmicos. À medida que o tempo de despacho de cargas é menor, as mercadorias vão estar disponíveis em tempos mais curtos e, com isso, os custos são menores e a competitividade cresce”, ressalta Martins.
O trabalho foi iniciado há dois anos com o processo de transformação digital do atracadouro. A estratégia era estreitar os laços entre o setor da logística portuária e o ecossistema de inovação do Porto Digital. O Cesar foi contratado pelo Porto de Suape justamente para desenvolver uma jornada de inovação denominada TIL (Target Innovation Lab), cujo objetivo é mergulhar nos desafios da gestão do porto sobre as operações portuárias. “Com essas descobertas iniciais das entrevistas e visitas técnicas, começamos um ciclo de validação de possíveis soluções que levarão, efetivamente, a prototipação e desenvolvimento dos MVPs (produtos minimamente viáveis), que são sistemas e aplicações ainda em desenvolvimento, mas que já trazem novas funcionalidades para a gestão das operações no porto”, explica Jaime Alheiros, gerente de Projetos e consultor de Inovação do Cesar.
Alheiros é quem está coordenando o projeto voltado para o Suape. Ele observa que o processo do porto pernambucano iniciou pelo desenvolvimento de TOS (Sistema Operacional do Terminal/Porto), mas que vai evoluir para um PCS (Sistema da Comunidade Portuária). “O objetivo será trazer mais confiabilidade e transparência no fluxo das informações entre os diversos atores envolvidos. Isso diminuirá o tempo que é gasto com a parte administrativa/burocrática das operações e trará preditividade de eventuais problemas, antes que ocorram, permitindo a sua correção e uma execução fluida, com ganhos de competitividade para aqueles que operam no Porto de Suape.”
Do outro lado do país, o Porto de São Francisco do Sul (SC) também está de olho nas inovações do mercado de automação portuária. Assim como Suape, São Francisco é um porto público. A prioridade da administração está em agilizar a descarga e a carga de retorno nos navios que são operados no porto catarinense. “O projeto de automação vai começar a rodar plenamente em 2022, vamos agilizar o nosso gate de entrada. Estamos partindo para um novo tipo de cadastramento de motoristas, mapeamento 3D da mão, tecnologia que já existe em aeroportos. Como aqui é um ambiente insalubre e o caminhoneiro lida com muita poluição, se ele estiver com a mão com óleo ou com graxa, essa tecnologia consegue identificá-lo. A gente vai implementar também o reconhecimento facial, face Id. Soluções no controle de acesso ao recinto portuário, para que não tenhamos filas no porto. Serão quatro tipos de controle de acesso com essa implementação nova”, conta Sidney Rückert, gerente de Tecnologia da Informação do Porto de São Francisco do Sul.
Rückert relata que os projetos são todos baseados em tecnologias que são conhecidas no mercado e que já estão em pleno funcionamento. “Hoje com duas balanças a gente tem um fluxo em média de 600 caminhões por dia, então são 1,2 mil movimentos. Com a automação das três novas balanças com as tecnologias que a gente está trazendo, o tempo de redução de descarga de navio, principalmente para os granéis e importação, vai representar para os armadores um espaço a mais, como um novo berço no porto. Hoje, o porto de São Francisco foca na qualidade e mitigação de reduzir o tempo para o nosso cliente.”
Os processos de automação estão mais adiantados nos Terminais de Uso Privado (TUPs), com facilidade de investimento e contratação de mão de obra especializada, os TUPs conseguiram implementar inúmeros projetos de inovação tecnológica. No Terminal Portuário de Vila Velha (ES), a Log-In, responsável pela unidade, vem realizando investimentos. A empresa tem compromisso de investir R$ 500 milhões até 2048. Entre os aportes desenhados pelo time de engenharia do terminal está a modernização do parque de ativos que trará tecnologia de ponta. Entre alguns exemplos, estão: sistema de telemetria em tempo real das máquinas de pátio; operação remota para os STSs (Ship To Shore) com sistema OCR (Optical Caracter Recognition) embarcado; integração de todos os sistemas operacionais ao TOS (Terminal Operations System) para planejamento e programação de cargas de importação e exportação; controle de estocagem e modernização dos gates.
“Estamos desenvolvendo a área de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) para estudos voltados à tecnologia portuária e a nossa expectativa é firmar parcerias com empresas de tecnologia e integradores. Há projetos em andamento com grandes empresas de soluções em automação. Em ações complementares, a Log-In está em busca de parceiros e consultorias para implantação de sistemas, Porto 4.0 e IOT (Internet Of Things)”, afirma o gerente de Engenharia e Manutenção do terminal, Alsimar Damasceno. Para ele, o Brasil ainda precisa ser mais atuante em desenvolvimento e infraestrutura para suportar as novas tecnologias utilizadas por grandes players portuários mundiais que usam equipamentos de última geração em suas operações.
Outra demanda destacada por Damasceno é a necessidade de oferecer os treinamentos necessários para os funcionários que trabalham nos portos. “A automação é uma realidade mundial que exige maior qualificação dos colaboradores que atuam neste setor. Nós temos investido em capacitação e desenvolvimento de nossos colaboradores para suportar todo parque tecnológico que será implementado no terminal”.
Os Terminais de Contêineres dos portos de Salvador (BA) e de Rio Grande (RS) também estão investindo nos projetos de automação de seus processos. A Wilson Sons, empresa que administra os dois Tecons, tem investido em Inteligência Artificial, RPA (Robotic Process Automation), OCR (reconhecimento ótico de caracteres) para aprimorar os seus processos. De acordo com Giovanni Phonlor, gerente de Sistemas do Tecon Rio Grande, essa jornada de digitalização de processos de apoio se conecta às grandes iniciativas implantadas nos últimos anos, como o sistema de planejamento e operação de última geração Navis N4, com módulos avançados que utilizam inteligência na alocação e na movimentação de contêineres em todos os modais (marítimo, hidroviário, ferroviário e rodoviário), gerando ganhos de 45% de produtividade.
“Os gates automatizados permitem o atendimento dos motoristas em até 30 segundos, tanto na entrada como na saída. Vistoria não invasiva do contêiner, por meio de scanner de última geração, tudo integrado ao COV (Centro de Operação e Vigilância) da Receita Federal, conferindo transparência e agilidade ao processo de liberação de cargas dentro do Tecon Rio Grande. O terminal conta também com o Sigga, digitalização dos processos de manutenção realizada em 2018. No abastecimento de combustível, utilizamos tecnologia IoT com RFID e sistema de bombas inteligentes”, conta o gerente, que enumera outras iniciativas da empresa com a mesma finalidade. “Para atendimento dos clientes, a plataforma Teconline foi totalmente remodelada em 2020, dando mais agilidade para consulta de cargas, agendamentos e janelas de atracação, entre outros serviços. Todas estas iniciativas tornam o Tecon Rio Grande o terminal de contêineres mais automatizado do Brasil.”
No Tecon Salvador não é diferente. Além das ferramentas já implantadas, há diversos projetos em andamento com consultorias de tecnologia para o desenvolvimento de novos modelos de automação. “Os robustos investimentos realizados em tecnologia, aliados ao treinamento da equipe, possibilitaram ao Tecon Salvador ampliar sua produtividade e eficiência. Obter essa alta capacidade de movimentação nos confere maior confiabilidade junto ao armador, que ganha em economia de tempo pela permanência reduzida no terminal, diminuindo custos e proporcionando o cumprimento dos prazos com novas escalas em outros portos, por exemplo”, argumenta Demir Lourenço, diretor executivo do Tecon Salvador.
Ele conta que o terminal já possui mapeado o uso do 5G e já tem projetos que vão se beneficiar dessa tecnologia na automação operacional. “Temos grandes expectativas com o 5G, e já há aplicação para essa tecnologia no terminal tão logo ela esteja disponível e madura no país. É uma tecnologia totalmente disruptiva em nosso setor. Hoje, para automação precisamos fazer importantes investimentos em infraestrutura e tecnologia sem fio. Com o 5G, teremos capacidade de viabilizar, por exemplo, projetos de IoT (internet das coisas) de forma mais rápida e segura, com mais dispositivos conectados, melhor tempo de resposta, entre outras aplicações que aumentarão a eficiência das operações automatizadas.”
A NavalPort Tecnologia, empresa especializada em soluções em automação nas áreas de operação portuária, apoio à navegação, rastreamento marítimo e otimização e racionalização de processos, está de olho nas oportunidades que serão trazidas pelo 5G. Para Alexandre Victor Santiago, diretor de Novos Negócios da companhia, a nova rede agregará valor às tecnologias emergentes, em especial as com foco IOT que estão diretamente ligadas à automação. “Maior capacidade de banda implica maior capacidade de conexão entre os diversos equipamentos envolvidos na operação portuária”, explica. Ele destaca ainda que outro grande avanço na evolução do processo como fator essencial para a eficiência da navegação é a internet derivada de satélites de baixa órbita — Starlink, Projeto Kuiper entre outros.
“Proporcionará um ambiente de hiperconexão até mesmo nas áreas mais remotas que hoje não são cobertas pelas redes tradicionais. Essas duas tecnologias terão impactos profundos no modelo de se pensar e planejar a operação naval-portuária. A Navalport já desenvolve seus produtos visando à concretização desta realidade nos próximos anos.”
A Associação Brasileira de Entidades Portuárias e Hidroviárias (Abeph) mantém um grupo de discussão para a troca de experiência sobre inovação. A presidente da entidade, Mayhara Chaves, destaca o sistema implantado pelo governo federal, o Sisportos, junto aos gestores portuários, como uma evolução. “Nesse cenário que se apresenta e não tem mais volta, uma coisa é certa: a automação dos processos no setor irá otimizar recursos e exigirá cada vez mais a qualificação do seu corpo técnico, sem contar a sustentabilidade. E a qualificação dos profissionais e na gestão é algo que já vem acontecendo nos portos públicos brasileiros”, aponta Mayhara.
As empresas vinculadas à Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) também utilizam cada vez mais os sistemas automatizados para o planejamento e a execução das operações portuárias. Os sistemas computadorizados TOS (Terminal Operating Systems), que permitem controlar a movimentação e o armazenamento de vários tipos de cargas em torno de um porto ou terminal marítimo, é um exemplo disso. De acordo com Jesualdo Silva, diretor-presidente da entidade, os sistemas também permitem o melhor uso de ativos, de mão de obra e equipamentos, além de planejarem a carga de trabalho e trocarem informações de maneira automática com sistemas dos clientes. “As associadas da ABTP aproveitam tecnologias e soluções de automação desenvolvidas tanto por startups quanto por empresas já estabelecidas no mercado. Mesmo que a ABTP não contrate diretamente tais soluções, atuamos como interlocutores e auxiliamos na aproximação das empresas associadas a fornecedores de tecnologias inovadoras. Os terminais brasileiros estão atentos às novas tecnologias e investindo em soluções, na medida da necessidade, sobretudo da demanda”, conclui Silva.
Site Portos e Navios – 26/10/2021
