2022-06-21
Exportações de carne bovina para China continuam suspensas em 4 frigoríficos

De março a junho, entre 10 unidades de cinco grandes empresas que exportam proteína para gigante asiático, 6 já retomaram vendas externas, conforme levantamento da Agrifatto

Dez frigoríficos pertencentes a cinco grandes empresas brasileiras foram suspensos da exportação de carne bovina para a China, entre os meses de março e junho deste ano, sendo que seis deles já voltaram a enviar essa commodity ao país asiático. De acordo com um levantamento da Agrifatto, retomaram as vendas externas: a JBS, que funciona nos municípios de Lins (SP), Senador Canedo (GO) e Barra do Garças (MT); Frialto, em Matupá (MT); Marfrig, em Várzea Grande (MT); e Naturafrig, em Pirapozinho (SP). Até o fechamento desta reportagem, continuavam suspensas as unidades da JBS de Mozarlândia (GO); Masterboi de São Geraldo do Araguaia (PA); Marfrig de Promissão (SP) e Tangará da Serra (MT).

“De toda a produção brasileira de carne bovina, 17% são exportados para a China e o restante é dividido entre a porcentagem de vendas externas para outros países e o mercado interno. Levando em conta apenas a porcentagem de exportação de carne bovina, ou seja, tirando o consumo interno, 53% têm como destino a China”, informou a economista e médica veterinária Lygia Pimentel, CEO da Agrifatto.

À Portos e Navios, Lygia ressaltou que ocorreram suspensões temporárias, e não embargos à carne brasileira por parte dos chineses. “Não houve embargo. Ocorre que, quando há suspeita – por menor que seja – de contaminação ou casos de problemas sanitários sob investigação, o Brasil deve, voluntariamente, suspender a certificação de carne para a China”, relatou.

Conforme a especialista, esse é o procedimento padrão, que faz parte do acordo comercial assinado pelos dois países. “Enquanto vigora a suspensão, exames laboratoriais são feitos para confirmar ou não a presença de enfermidades no rebanho e destruir a carne potencialmente contaminada.”

Em geral, as suspensões foram realizadas por suspeitas da doença EEB (Encefalopatia Espongiforme Bovina), popularmente conhecida como “vaca louca”, mas foram registrados bloqueios de cargas em portos chineses, decorrentes da crise sanitária causada pela Covid-19.

Entenda melhor

Como médica veterinária, Lygia explicou que a “vaca louca clássica” (EEB clássica) é uma zoonose, uma enfermidade transmissível ao ser humano, ocasionada pela ingestão de alimento contaminado pelo bovino. “Quando evolui, ela faz com que o animal apresente sintomas neurológicos. O consumo da carne desse animal leva o ser humano à morte. Por isso, um caso clássico levaria ao embargo. Mas não foram esses os casos”.

A especialista acrescentou que animais velhos são suscetíveis à degeneração espontânea de seu tecido encefálico pela idade avançada (algo semelhante ao Alzheimer no ser humano), uma ocorrência que nada tem a ver com contaminação e, portanto, não é transmissível. “A isso chamamos ‘vaca louca falsa’, quando os animais apresentam sintomas neurológicos semelhantes aos da vaca louca clássica e, por isso, seguem para investigação laboratorial. Os dois casos encontrados em Minas Gerais e Mato Grosso se referiam à degeneração de tecido encefálico por idade, e não por contaminação”, informou.

Segundo Lygia, quando a prova e a contraprova laboratoriais foram divulgadas, o Brasil comunicou à China. “Pelo acordo comercial, é necessário que os chineses aceitem a documentação comprobatória e deem o aval para que seja possível retomar a certificação da nossa carne bovina. Isso ocorreu em cerca de 90 dias”.

Crise sanitária da Covid-19

Desde 2020, os chineses vinham suspendendo, além do Brasil, suas negociações com frigoríficos de vários países, sob a alegação de obter maior controle sanitário por causa da pandemia de Covid-19. Ao detectar traços do vírus SARS-Cov-2 em embalagens que chegaram ao país, autoridades do Porto de Xangai bloquearam, por exemplo, a liberação de um carregamento de carne bovina brasileira.

“Há estudos contundentes que indicam que o coronavírus não sobrevive em superfícies por mais de 72 horas. Isso sugere que a suspensão não se justifica sob os motivos alegados”, comentou a economista, afirmando que as explicações da China foram muito vagas, sob o ponto de vista técnico (sanitário).

Ao ser questionada se essas suspensões seriam uma espécie de retaliação ao governo brasileiro, pelo fato de a pandemia Covid-19 ter iniciado na China, Lygia disse que não, levando em conta que outros mercados também foram suspensos, como Estados Unidos, Uruguai e Argentina.

Alta de preços

Como o Brasil exportou, somente em 2021, algo em torno de 1,9 milhão de toneladas de carne bovina para outros países, incluindo a China, especialistas do mercado interno teceram críticas ao volume das vendas externas dessa proteína, chegando a responsabilizá-las pelo aumento de preços aos consumidores daqui. Na visão da CEO da Agrifatto, isso não procede.

“Essa é uma visão extremamente míope sobre a formação de preços das commodities agropecuárias. Os preços servem de estímulo e desestímulo à produção, já que as commodities são produtos básicos e padronizados, que sofrem oscilações de preços, de acordo com o equilíbrio entre oferta e demanda, já que não possuem valor agregado”, explicou.

A economista ainda destacou que, quando os preços sobem, a produção aumenta em resposta às boas margens operacionais do negócio, em determinado momento. “Quando caem, eles servem de desestímulo aos produtores que, em seguida, reduzem suas produções. Esse ciclo de aumento e redução produtiva leva anos para acontecer, especialmente em relação à carne bovina, que possui um ciclo mais longo”.

Lygia destacou que os altos preços, vistos entre 2020 e 2021, foram resultado de margens operacionais ruins observadas entre 2017 e 2019, quando houve redução dos investimentos na pecuária e abate de matrizes. “Como reflexo da redução dos investimentos e queda da produção, os preços voltaram a subir em 2020 e 2021. Nesse sentido, as exportações para a China serviram apenas como complemento a um cenário de baixa oferta, mas não foram a causa primordial da alta”.

Vendas externas

A especialista defendeu as vendas externas, por considerá-las fundamentais na composição da remuneração da cadeia de carne, que leva a maiores investimentos e disponibilidade deste produto. “Sem as exportações, os investimentos seriam limitados, o que também limitaria a oferta do produto, no futuro. Como exemplo de política estatal que buscou medidas, segundo essa visão, podemos citar a Argentina, que limitou as exportações a partir de 1997 e viu sua produção definhar, ao ponto de o consumo per capita cair de 70 quilos por habitante ao ano para os atuais 50kg/hab/ano”.

Ao analisar uma possível dependência do Brasil da China, Lygia afirmou que o país precisa desse acordo, pelo fato de os preços praticados atingirem máximas históricas. “Os chineses pagam 39% a mais pela carne bovina brasileira, em comparação à média dos demais países, pagando entre 50-60% a mais pelo dianteiro (parte do bovino), em relação ao mercado interno. Para mantermos os níveis de preços atuais do boi gordo, somos dependentes dos chineses”.

A especialista ponderou que, mesmo diante dessa atual dependência, tudo tem seu limite. “Se os chineses pararem de comprar do Brasil, nós conseguimos reorganizar nosso mercado. E ainda que os preços caiam, há um limite para essa queda”.

Mais fôlego em 2022

Mesmo diante das suspensões de algumas plantas frigoríficas do Brasil pela China, os números mais recentes mostram que o setor de exportação de carne bovina recuperou o fôlego, conforme dados da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).

Embora tenha registrado queda no mês de maio, em relação ao pico de março, quando superou 203 mil toneladas e de abril com 186 mil toneladas, as exportações totais de carne bovina, que inclui o produto processado e in natura, tiveram recorde no mês passado, totalizando 181.193 toneladas.

Segundo a instituição, esse resultado culminou em aumento de 20% sobre as vendas ao exterior, no comparativo com maio de 2021, chegando a 150.711 toneladas. Nas receitas, o desempenho foi ainda mais significativo: em maio de 2021, elas alcançaram US$ 725,9 milhões e, no mês passado, totalizaram US$ 1,093 bilhão, com alta de 50%.

No saldo de janeiro a maio de 2022, foram 913.618 toneladas contra 714.362 toneladas sobre o mesmo período do ano passado, culminando em expansão de 28%. As receitas, por sua vez, saltaram de US$ 3,247 bilhões para US$ 5,1 bilhões (+57%).

Performance

Conforme a Abrafrigo, além da boa performance chinesa nas aquisições, o Brasil está contando com crescimento das importações pelos Estados Unidos, que elevaram suas compras de 33.700 toneladas no ano passado para 90.738 toneladas neste ano (+ 169%); do Egito, que importou 17.596 toneladas até maio de 2021 e, neste ano, chegou a 66.813 toneladas (+ 342%).

Até maio de 2022, a China incrementou suas compras de 318.938 toneladas para 440.894 toneladas (+ 48,3%), “o que mais do que compensou a redução das importações pela cidade estado de Hong Kong, que caíram 55%, passando de 99.200 toneladas em 2021 para 44.599 toneladas em 2022”, destacou a Abrafrigo, em comunicado. No total, 109 países elevaram suas importações nos cinco primeiros meses do ano, enquanto outros 38 reduziram sua movimentação.

Saldo de 2021

Os números das exportações totais de carne bovina em 2021 (incluindo produtos in natura e processados), repassados pela Abrafrigo e obtidos a partir da compilação de dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, indicaram uma queda de 7% no volume das vendas externas dessa proteína.

Em contrapartida, no quesito “receita” houve uma expansão de 9% relativa ao ano anterior, graças ao aumento de preços nos mercados internacionais, saindo de US$ 8,485 bilhões em 2020, para US$ 9,236 bilhões no ano passado. Ainda segundo a instituição, o Brasil movimentou 1.867.594 toneladas em 2021, frente às 2.016.223 de toneladas em 2020, que foi ano de recorde na exportação de carne bovina.

A Abrafrigo destacou que, mesmo diante das importações de 1.182.673 toneladas em 2020, caindo para 950.057 toneladas em 2021, a China permaneceu como o maior comprador dessa commodity brasileira, graças à movimentação da cidade-estado de Hong Kong e das compras feitas pelo continente asiático.

Site: Portos e Navios – 21/06/2022


Voltar