2022-05-27
Bloqueios em portos e guerra aumentam litígios e demanda por arbitragem

Para advogado, passados dois anos de pandemia, faltam instrumentos jurídicos para regular restições sanitárias relacionadas ao coronavírus. Escoamento de produtos como trigo enfrenta dificuldades por causa de destruição da Ucrânia e por bloqueios e insegurança nas regiões dos principais portos do país pelas tropas russas. A guerra na Ucrânia, nos últimos três meses, e o novo lockdown nos portos chineses nas últimas semanas agravaram a logística de transportes em grande parte do mundo. Além do rearranjo das cadeias logísticas e do aumento dos fretes, especialistas veem uma tendência de agravamento dos litígios envolvendo o transporte marítimo internacional, afetando de embarcadores a armadores e aumentando o número de arbitragens. A lista de problemas vai desde atrasos, omissões (blank sailings) à falta de contêineres, cobrança de demurrage e perda de cargas. Com as dificuldades de deslocamento em território ucraniano e as sanções internacionais ao governo Putin, outro movimento observado é no sentido de garantir o abastecimento de produtos exportados pela Ucrânia, como trigo, e pela Rússia, como combustíveis e fertilizantes.

O advogado Rodrigo Cotta percebe empresas de toda cadeia logística afetadas e um aumento de litígios, como no início da pandemia e durante a interrupção do tráfego no Canal de Suez após o encalhe do mega cargueiro Ever Given, em março de 2021. Ele estima um aumento em cerca de 80% nas disputas entre as partes relacionadas a esse tipo de situação. “O que está acontecendo hoje vai trazer problemas ao longo de, pelo menos, um ano, com as cargas chegando com problemas por ficar muito tempo no navio, problemas de atraso na entrega de cargas, aumenta muito disputa entre as partes”, analisou.

Cotta relatou que muitas empresas de navegação que atracavam em portos russos, exceto a chinesa Cosco, cancelaram ou interromperam o transporte para o país. “Empresas tiveram que reorganizar, de uma hora para outra, a logística das cargas que já estavam previstas para serem transportadas para a Rússia e para a própria Ucrânia”, observa Cotta, que é especialista em direito marítimo do escritório Salomão Kaiuca Abrahão Raposo Cotta. Em alguns casos, houve direcionamento de commodities para a China, que ainda faz trading com a Rússia.

Cotta acredita que essa situação de portos congestionados devido ao lockdown na China causou um caos no sistema logístico mundial que, provavelmente, terá o impacto sentido nos próximos meses. O advogado considera importante as empresas ficarem atentas quanto à lei aplicável a seus contratos e à sede de eventuais disputas. Para ele, a arbitragem tem sido usada como ferramenta eficiente para manutenção de negócios, trazendo segurança jurídica e pacificação com árbitros estrangeiros especialistas em matéria de direito internacional.

O advogado indagou se a questão de pandemia e os eventuais gargalos em portos por conta do coronavírus ainda podem ser caracterizados como caso fortuito ou força maior — instrumentos que costumam ser usados nas alegações para excluir a responsabilidade das empresas. Cotta lembrou que, no começo de 2020, ninguém estava preparado para esse tipo de problema. “Do ponto de vista jurídico, talvez tenham que ser criados novos institutos para regular essa situação. Estamos no segundo ano de pandemia e ainda temos muito efeitos. Precisamos estar preparados para os próximos anos para esse tipo de situação virar uma situação ‘normal’”, comentou.

O coordenador do curso de Engenharia Naval e Oceânica da Politécnica da UFRJ, Luiz Felipe Assis, vê um forte impacto da guerra nas exportações de trigo, commodity importante como soja e milho. A Ucrânia é o 5º maior exportador e usa os portos para escoar a produção e tem 10% do mercado de trigo internacional. Em torno de 95% das exportações são feitas a partir de portos do Mar Negro, que convive com a ameaça de bloqueios russos. O Brasil não chega a sofrer com desabastecimento desse produto, mas sente os efeitos do aumento dos preços e do frete.

Assis acrescentou que, apesar de o Brasil não depender do trigo exportado pela Ucrânia por consumir mais o produto da Argentina e, eventualmente, do Canadá ou Estados Unidos, o aumento da demanda afeta os preços internacionais e pode trazer rearranjos no mercado consumidor. O professor explicou que o trigo não costuma ter logística verticalizada como no caso do minério de ferro e do carvão que, muitas vezes, contam com dutos e hidrovias dedicadas.

Como o trigo ucraniano geralmente é escoado por rodovia, essa logística começou a enfrentar dificuldades por problemas de comunicação. A alternativa por ferrovia para portos da Polônia esbarra nos problemas dos tipos de bitola, o que dificulta as conexões. “A Europa poderia consumir esse trigo, mas não se consegue levar o produto por ferrovia e por rodovia está complicado, elevando o preço da commodity, que se torna escassa e sem substituto imediato”, ressaltou Assis.

Site: Portos e Navios – 27/05/2022


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