Pesquisadores da USP obtêm patente de sistema de monitoramento de água de lastro
Trabalho multidisciplinar desenvolvido a partir de 2012 buscou entender parâmetros nos tanques de lastro antes do despejo por meio de análises remotas, sem necessidade de recolher amostras.
Pesquisadores de diferentes departamentos da Universidade de São Paulo (USP) receberam, em abril, a carta patente de um sistema de monitoramento remoto da troca e da qualidade da água de lastro de navios mercantes. A estrutura do sistema consiste basicamente numa unidade de controle que tem processo de aquisição de dados dos sensores instalados a bordo do tanque conectados com GPS e um modem que transmite os dados coletados para um servidor para a organização de um banco com parâmetros da qualidade da água que podem indicar questões relacionadas à troca e físico-químicas dessa água.
O professor Newton Narciso Pereira, chefe do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal Fluminense (UFF) e que participou do trabalho multidisciplinar da USP, explicou que o projeto contou com um sistema autônomo (energia e função) e que teve como objetivo o monitoramento remoto da troca da água de lastro, sem interferência da tripulação e sem afetar a operação do navio, de forma a agilizar processos de fiscalização da autoridade portuária. O projeto, cuja patente foi depositada em 2013, também foi desenvolvido e acompanhado por pesquisadores dos departamentos de Engenharia Naval, Engenharia Elétrica, Engenharia Civil e Oceanografia da USP. Participaram dos estudos: Prof. Dr. Hernani Luiz Brinati; Prof. Dr. Marcelo Carreno; Prof. Dr. Marco Chaves; MSc. Murilo Mieli; MSc. Fabio Colombo; e o engenheiro naval Geert Prange.
Pereira disse à Portos e Navios que um dos grandes desafios para a indústria nos próximos anos será como monitorar e inspecionar se esses sistemas estão atendendo critérios e qualidade da água quando o navio vai descarregar. O professor ressaltou que a pesquisa buscou provar que um sistema como esse poderia fazer um trabalho remotamente para essa verificação. Após a instalação, os pesquisadores realizaram o monitoramento de um navio em rotas de cabotagem na costa brasileira durante 13 viagens, entre abril de 2014 e dezembro de 2015.
A pesquisa confirmou a viabilidade de implementação de um módulo de monitoramento remoto com uso de sensores biológicos diretamente nos tanques. A avaliação é que obter informações das embarcações em relação à origem da água de lastro e ao tratamento aplicado também aumentam a confiabilidade no processo de controle das bioinvasões pelas autoridades nacionais. Os estudos concluíram que monitorar a qualidade da água de lastro a bordo dos navios é uma ferramenta importante para prever o risco de bioinvasão e poluição e que a instalação de sistemas de tratamento de água de lastro na frota de navios tende a trazer uma redução no risco de introdução de espécies exóticas por meio da água de lastro.
Segundo os estudos, o treinamento e capacitação do pessoal, assim como parcerias com as universidades e centros de pesquisa brasileiros poderão ajudar a monitorar os riscos de bioinvasão. Outra conclusão é que remover os sedimentos dos tanques de lastro de navios durante as operações de deslastre ainda é um grande desafio para a engenharia naval. Os sedimentos são um problema, pois se acumulam dentro dos tanques de lastro dos navios. O material fica em suspensão na coluna d'água e se deposita no fundo do tanque. O alijamento de sedimentos oriundos dos tanques de lastro é proibido em águas jurisdicionais brasileiras.
A Organização Marítima Internacional (IMO) mapeia as 10 principais espécies invasoras no mundo desde meados da década de 1990. No Brasil, a maior ameaça é o mexilhão dourado, espécie invasora de origem na Ásia que chegou à América do Sul por volta de 1990 e se espalhou na Bacia do Prata e em águas brasileiras. Pereira sugere que o IDA — índice de desempenho ambiental portuário da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) deveria avaliar se o controle em relação às espécies exóticas está sendo implementado nos principais portos e terminais portuários brasileiros.
Os estudos apontam que o Brasil possui quatro grandes clusters portuários que recebem navios de maior porte (porta-contêineres e granéis minerais) e, consequentemente, com maior volume de água de lastro: Tubarão (ES), Ponta Madeira (MA), Sepetiba (RJ) e Santos (SP). Os gigantes navios da classe Valemax, por exemplo, carregam até 120.000 m³ de água de lastro por viagem. Pereira estima aproximadamente 100 milhões de m³ de água de lastro despejados por ano nesses clusters.
Em fevereiro deste ano, a Convenção Internacional da Água de Lastro e Sedimentos de Navios foi promulgada no Brasil, por meio do decreto 10.980/2022, atualizando a Normam 20. Pereira observa que a norma deixou o foco de água de lastro e passou a ter análise sobre poluição hídrica causada por embarcações, plataformas e instalações de apoio, com visão mais ampla dos poluentes que podem ser associadas aos despejos no mar. Até hoje, 89 países ratificaram a convenção BWM (2004), atingindo 91,20% da frota mundial, ante o objetivo inicial de 35%.
O método preventivo padrão 1 (D1— troca oceânica do lastro) ajudou a mitigar a transferência de espécies exóticas. Pereira explicou que o formulário de águas de lastro monitora onde ocorre o deslastre dos navios, por meio da salinidade no local, método aplicado e volumes de água de lastro. O registro que fica a bordo do navio pode ser solicitado pelo port state control. A próxima etapa para o setor é entrar no padrão D2 (norma de desempenho de água de lastro), cujo objetivo é saber se os tratamentos implementados a bordo devem atingir padrão e o número mínimo de organismos que devem ser detectados.
O desempenho D2 já estabelece que indicadores e tamanho de organismos viáveis e número de organismos permitidos na água descarregada. Segundo Pereira, são padrões restritos que os sistemas de tratamento devem dar resposta toda vez que forem acionadas na gestão e controle da água de lastro. A exigência do padrão D2 é mandatória para novos navios desde 2017. Já os navios existentes, a partir da renovação de certificados, precisam fazer instalação de sistemas de tratamento de água de lastro. A meta é ter toda frota mundial com sistema a bordo até 2024. No Brasil, todo navio precisará de um plano de gerenciamento de água de lastro, livro de registro e certificado internacional.
Os estudos projetam que haverá uma corrida por sistemas de água de lastro para atender aos prazos estabelecidos nas convenções internacionais. Pereira avalia que um ponto de atenção é que, para dotar os navios de sistemas de água de lastro a bordo e certificados, deve demandar serviços para a indústria da construção naval. Ele acrescentou que, como os projetos de novos navios possuem dimensões maiores, os volumes de água de lastro vão acompanhar as novas configurações.
Até 2024, todos os navios deverão estar dotados de sistema de tratamento de água de lastro a bordo. “Vemos que é uma escada que, nos últimos 20 anos, tivemos vários desdobramentos e fomos evoluindo em conhecimento, tecnologia, melhoria da gestão e controle para mitigar a transferência de espécies exóticas e respectivos patógenos”, disse Pereira recentemente durante o evento ‘Desafios para gerenciamento da água de lastro em navios’, promovido pelo Cidesport.
Site: Portos e Navios – 12/05/2022
