2022-05-05
Agentes voltam a divergir sobre regulação de preços da praticagem

Em nova audiência sobre auditoria do TCU, Marinha manifestou que regulação econômica da atividade não compete à autoridade marítima. Praticagem do Brasil alegou que poder de mercado da categoria não existe, uma vez que Marinha determina quantidade de práticos e rodízio único faz distribuição do serviço.

Agentes do setor voltaram a divergir sobre a necessidade de regulação econômica da praticagem. Durante audiência pública promovida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), nesta quarta-feira (4), autoridades e representantes de governo e das principais entidades do setor aquaviário retomaram discussões sobre os quatro apontamentos da auditoria operacional da Corte de Contas sobre a supervisão e a regulação técnica e econômica desses serviços. Armadores defenderam a flexibilização da escala de rodízio única e a efetivação do recurso de habilitação de comandantes de navios para atuar como práticos, em algumas situações.

Para a Marinha, a parte da regulação econômica é outro componente que não compete a ela. "A autoridade marítima é a reguladora técnica do serviço da praticagem e não se envolve na regulação econômica", enfatizou durante a audiência o diretor de portos e costas da Marinha, vice-almirante Sérgio Renato Berna Salgueirinho. Ele ressaltou que o serviço de praticagem é considerado essencial para a segurança da navegação pela autoridade marítima. Salgueirinho disse que a escala de rodízio única é um instrumento que permite assegurar a realização do serviço da praticagem de forma contínua e ininterrupta, além de garantir habilitação dos práticos em todos os terminais portuários das zonas de praticagem (ZPs) para estarem aptos para manobras de todas embarcações que demandem o serviço.

A Marinha considera importante a escala de rodízio única para garantir a uniformidade do serviço da praticagem e a habilitação de todos os práticos, proporcionando um serviço seguro. A DPC desenvolveu um sistema que auxilia a autoridade marítima a controlar essa escala. "Esse programa já está em funcionamento há alguns anos e a diretoria atualmente está conduzindo aprimoramento do programa, que será denominado 'Mais práticos' e que vai permitir automatizar e assessorar a autoridade marítima num controle mais efetivo e mais atualizado dessa escala de rodízio única", destacou Salgueirinho.

O diretor de portos e costas destacou que as 22 Normam’s de responsabilidade da DPC foram atualizadas nos últimos dois anos e que a Normam 12, que trata especificamente dos serviços de praticagem, foi atualizada em fevereiro deste ano, seguindo as orientações do relatório do TCU, incluindo procedimentos de habilitação de comando para dispensa do uso de prático. A Normam 12 possui o capítulo 4 dedicado à isenção de necessidade de prático para embarcações offshore e incorporou, no capítulo 2, após as sugestões do TCU, um procedimento novo para embarcações acima de 5.000 toneladas de porte bruto (TPB). “O relatório do TCU foi profundamente analisado pela DPC e as contribuições foram enviadas de volta ao relator em janeiro de 2020. A autoridade marítima está sempre disposta a aprimorar, com a participação dos stakeholders nas atualizações das normas”, salientou.

O diretor da Seinfra Porto Ferrovia do TCU, Luiz Antonio Fragoso, comentou que o órgão constatou que o processo de elaboração da regulação técnica necessita de aperfeiçoamentos e que a Marinha exerce um papel de agência reguladora. "Dentro das boas práticas e dentro da nova lei da agências, seria de bom tom que ela [regulação técnica] tivesse, em alguns casos, audiência pública e AIR [análise de impacto regulatório], já que vai causar impacto sobre custos das atividades reguladas", avaliou Fragoso.

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) manifestou que, embora a regulação econômica da praticagem hoje não seja uma de suas atribuições, a autarquia tem dimensão do problema e tem expertise caso passe a ser de sua incumbência. O gerente de portos organizados da Antaq, Marcus Vinícius Silveira, frisou que, se for delegada a essa função, a agência já ouve o mercado e entidades envolvidas para análises técnicas. "Caso nos seja atribuído será parecido com desafio imposto em 2013 (ano da Lei 12.815). Vamos conseguir fazer uma regulação e trazer certa estabilidade para o mercado", afirmou Silveira.

O Centro Nacional de Navegação Transatlântica (Centronave) entende não ser necessário distribuição uniforme e rígida das manobras pelos práticos de cada zona de praticagem para atingir as finalidades do rodízio obrigatório. Para a entidade, o contrato é soberano e regula a relação entre as partes. O Centronave considera que o rodízio único afeta o espírito de livre negociação e entende que cabe aprofundar os estudos sobre o assunto.

“A existência de contratos de prestação de serviços de praticagem se sobrepõem ao questionamento, dado que estabelecem condições a prestação de serviço em cada ZP, havendo nela rodízio ou não”, disse o superintendente técnico do Centronave, Wagner Moreira. O Centronave também não vê razão para que não seja implantada a habilitação de comandante para dispensa de prático. A avaliação leva em considera a previsão legal para utilização desse dispositivo, existente desde 1997. A associação alega que é um instrumento adotado internacionalmente há anos e que pode ser implementado com segurança no Brasil.

A Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) entende que, em algumas situações, é possível que o comandante do navio possa ser habilitado para atuar como prático com critérios rigorosos e limitados ao comando somente de sua embarcação, conforme estabelecido na Lei 9537/1997. O diretor-executivo da Abac, Luis Fernando Resano, disse que, desde quando essa legislação foi publicada, não se tem registro de nenhum comandante habilitado.

A Abac encaminhou propostas para flexibilizar o rodízio único sem criar a relação do prático-armador. Para a associação, o rodízio único precisa ser olhado, além da segurança, pelo lado econômico, pois existem casos que os armadores não têm a quem recorrer. Resano relatou que existem acordos de praticagem com vários portos, fruto de negociações sempre difíceis e que por vezes não chegam a bom termo. “Ainda que a Marinha possa interferir quando houver paralisação do serviço (...) e ela se limita a paralisar o serviço — quando paralisa (...) entendemos que o rodízio único pode ser utilizado, mas precisa de aprimoramento, olhando para segurança e também para o olhar econômico”, analisou Resano.

O presidente da Praticagem do Brasil, Ricardo Falcão, considerou contradição um país que deseja entrar na OCDE querer modificar a regulação de uma atividade já regulada por conta de um problema que não se consegue comprovar. A praticagem entende que a autoridade marítima já possui capacidade e poder para intervir no serviço, a ponto de poder cassar a carta dos práticos em caso de irregularidades.

Falcão acrescentou que o poder de mercado da praticagem não existe, uma vez que é a Marinha quem determina quantos práticos são necessários e o rodízio único faz a distribuição do serviço. Ele disse que, enquanto a praticagem é vista como monopólio, existem tradings e empresas verticalizadas que são donas da carga e possuem a cadeia completa de transporte multimodal e agenciamento marítimo. O prático também lamentou que o contingenciamento financeiro das forças armadas impeça a autoridade marítima de investir mais visando o aumento de calado e condições de navegabilidade na Amazônia.

O Ministério da Infraestrutura vê qualidade nos serviços prestados pela praticagem e na regulação técnica exercida pela Marinha. A pasta considera que a competência da autoridade marítima deve ser avaliada separadamente dentro de um contexto que trate da regulação econômica, objeto do projeto de lei 787/2022, entregue recentemente pelo poder executivo ao Congresso. "Uma coisa é rodízio com existência de regulação econômica, outra coisa é sem essa regulação", comentou o diretor de navegação e hidrovias do Ministério da Infraestrutura, Dino Batista.

O governo vê necessidade de regulação técnica nos casos onde existem problemas de negociação de preços do serviço, pois existem portos com tratamento econômico adequado. Batista defendeu mais ênfase na questão econômica para tentar diminuir o número de casos de agentes insatisfeitos em precisar fazer cessões para fechar os acordos. O entendimento é que a maioria dos temas levantados pela auditoria é relacionada à regulação técnica, porém existe espaço para desenvolvimento mais adequado das PECs (pilot exemption certificates), que estão dentro da competência da Marinha.

O advogado e especialista em Direito Portuário e Marítimo, Osvaldo Agripino, discordou da postura dos armadores de contêineres de criticar o modelo atual da praticagem por considerar que os grandes transportadores compõem um setor ‘cartelizado’, com poucas empresas dominando o mercado e atuando em todas as pontas da cadeia logística. “O Brasil não tem capacidade institucional para trazer modicidade para quem é razão de existir a sua cadeia de serviços”, analisou. Agripino entende que essa discussão deveria ser secundária, em razão das cobranças e serviços portuários. “Estão preocupados em fazer uma energia enorme para, eventualmente, a regulação daquilo que impacta 0,22% nos serviço dos custos”, acrescentou.

O jurista considera desnecessário qualquer intervenção sobre tema que possa gerar judicialização, levando em conta que existem ZPs com contratos de longo prazo e sem conflitos econômicos. Ele identifica uma curva de aprendizado da Antaq nos últimos 10 anos, mas que ainda não consegue superar as falhas de governo quanto à prestação adequada do serviço do transportador marítimo em relação ao usuário, que resulta num dos maiores custos de demurrage do mundo e numa maior quantidade de ações, prejudicando pequenas e médias empresas do comércio exterior.

A auditoria do TCU apontou quatro principais achados pela fiscalização. O primeiro é que as autoridades portuárias não vêm exercendo plenamente suas atribuições de forma a proporcionar gestão portuária frente às atualizações tecnológicas da praticagem. O segundo é que a regulação técnica exercida pela autoridade marítima sobre o serviço de praticagem necessita de aperfeiçoamento quanto a aspectos de transparência, participação dos interessados e motivação das decisões. Outro apontamento é que a habilitação de comandante para dispensa de práticos prevista na lei 9537/1997 não está sendo implementada pela autoridade marítima. Além disso, o relatório concluiu que o serviço de praticagem é oferecido em situação de monopólio, sem regulação econômica e sem transparência nos preços.

O ministro-relator do processo no TCU, Bruno Dantas, informou que, concluída esta audiência, ele pedirá ao representante do Ministério Público junto ao TCU que atua no processo (Marinus Marsico) a manifestação para que, em seguida, retornando ao seu gabinete, possa elaborar o voto considerando as discussões do painel de referência realizado hoje.

Site: Portos e Navios – 05/05/2022


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