Sindicatos veem falta de coerência em decisão sobre exigência de marítimos brasileiros
Para organizações sindicais, veto à exigência de 2/3 de marítimos do Brasil em navios afretados no BR do Mar prejudica emprego de brasileiros. Especialista entende que prevalecerá RN-06 do CNIg, que já estava em vigor desde 2017.
Sindicatos que representam os marítimos avaliam que a manutenção do veto ao emprego obrigatório de dois terços de marítimos do Brasil em navios afretados por empresas de navegação habilitadas no BR do Mar prejudicará o emprego de brasileiros em águas nacionais. As organizações sindicais viram falta de coerência do governo em oferecer benefícios e isenções significativos para empresas do setor marítimo por meio da renovação do Reporto e da redução das alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM), sem a contrapartida do emprego de 2/3 de trabalhadores nacionais nos navios estrangeiros beneficiados pelo programa.
Nas semanas que antecederam a análise dos vetos presidenciais ao BR do Mar (Lei 14.301/2022), representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos (Conttmaf), da Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins (FNTTAA) e dos sindicatos marítimos intensificaram a articulação com deputados e senadores na tentativa de convencê-los a derrubar o veto.
Um dos argumentos foi que a manutenção do veto defendida pelo governo representa a ‘desnacionalização’ do trabalho, além de ser um ‘atentado’ à soberania nacional no transporte marítimo e que busca mascarar a incapacidade do governo em alcançar soluções factíveis para a desoneração do setor. “Com a perda do efetivo controle dos navios em sua cabotagem, o Brasil se tornará ainda mais dependente de outras nações no transporte marítimo”, afirmou o presidente do Sindmar e da Conttmaf, Carlos Müller.
Alessander Lopes Pinto, sócio-fundador da banca LP Law, de direito empresarial e especialização em O&G e direito marítimo, avalia que a visão de que a proteção do emprego do profissional marítimo brasileiro estaria sendo preterida não se sustenta integralmente. Para o advogado, o emprego de marítimos brasileiros continuará sendo obrigatório nas embarcações estrangeiras afretadas via BR do Mar. Pinto considera que, com a manutenção do veto, passou a prevalecer a legislação que já se encontrava em vigor anteriormente ao BR do Mar — a resolução normativa 06/2017, editada pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg).
A norma impõe que a tripulação das embarcações de bandeira estrangeira empregadas na navegação de cabotagem em operação no Brasil, tenham percentual de marítimos e profissionais brasileiros a bordo, conforme o tempo de permanência da embarcação em operação no país: 1/5 de marítimos brasileiros para embarcações em operação por prazo superior a 90 dias contínuos e 1/3 de nacionais a partir de 180 dias de operação no país.
Pinto destacou que agora haverá a obrigação de pertencerem a brasileiros posições hierárquicas relevantes a bordo das embarcações estrangeiras, já que a lei que criou o BR do Mar, em seu artigo 9º (inciso III), prevê expressamente que as embarcações estrangeiras afretadas pelas empresas de navegação habilitadas no programa terão, obrigatoriamente, o comandante, mestre de cabotagem, chefe de máquinas e condutor de máquinas brasileiros em sua tripulação.
O advogado também considera que a lei que implementou o BR do Mar impôs importante incentivo à formação, capacitação e qualificação de profissionais marítimos brasileiros, ao obrigar as empresas de navegação a disponibilizar vagas para estágio embarcado, tanto nas embarcações brasileiras, como nas estrangeiras afretadas na modalidade a casco nu ou por tempo. “Ainda caberá ao governo federal, todavia, regulamentar os quantitativos mínimos de vagas destinadas a praticantes para cada tipo de embarcação e operação”, comentou Pinto à Portos e Navios.
A questão dos marítimos na nova lei não mobilizou armadores de forma expressa. Fontes ouvidas pela reportagem acreditam que as empresas não se manifestaram sobre a exigência de dois terços ou manutenção de um terço de tripulantes brasileiros porque, em termos de custo da mão de obra, seria praticamente indiferente para as empresas de navegação porque esses encargos ficariam próximos dos custos de mão de obra de navios de bandeira brasileira.
Essa avaliação leva em consideração o artigo 12 da Lei 14.301/2022 que estabeleceu que, para os contratos de trabalho dos tripulantes que operem em embarcação estrangeira afretada a tempo (time charter) serão aplicáveis as regras internacionais estabelecidas por organismos internacionais referentes à proteção das condições de trabalho, à segurança e ao meio ambiente a bordo de embarcações, e a Constituição Federal. O dispositivo prevê ainda que o disposto em acordos ou convenções coletivas de trabalho precederá outras normas de regência sobre as relações de trabalho a bordo.
“O problema é que esse artigo diz que a Constituição se aplica aos trabalhadores dos navios afretados a tempo e que marítimos estrangeiros embarcados nesses navios terão direito à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), pois o arcabouço legal brasileiro é aplicável pela Constituição. Se [a empresa] tem que contratar, por exemplo, um marítimo filipino para dar os mesmos direitos de um trabalhador brasileiro, começa a ser ‘nonsense’ arcar [com essas condições]”, comentou uma fonte, que prefere não ser identificada.
Site: Portos e Navios – 24/03/2022
