2021-11-10
Operação marítima local e os riscos na rede global de suprimentos

A rede global de suprimentos está em risco e o conceito de globalização, questionado. Os motivos do risco são vários, vão dos embates políticos por hegemonia comercial à ruptura causada pela Covid-19 e os impactos da digitalização. Documento de autoria de Richard Baldwin e Rebecca Freeman, publicado em setembro de 2021, da equipe do Bank of England (que não reflete a opinião do banco, mas visa promover o debate sobre o tema).

O texto aponta a automação industrial como fator que acabou com a vantagem da transferência da produção para países com salários baixos. A globalização alcançou grande aplicação na década de 1990, a tecnologia de comunicação e informação possibilitou desmembrar a produção, intensificando o comércio, a contratação de intermediários e o investimento externo direto. Transformou o cenário competitivo, industrializando economias rapidamente com destaque para Hong-Kong, Cingapura, Coréia do Sul e Tawain. A participação dos países do G-7 na produção industrial global caiu de 2/3 na década de 1990 para menos da metade em 2010. Esse processo foi cuidadosamente observado pela China. Grandes empresas mundiais passaram a ter parte relevante de seus componentes embarcados da Ásia. Esse estoque embarcado criou extensa rede de logística. Diversos economistas perceberam os riscos de ruptura nessa cadeia de suprimentos. A entrada da China, neste processo, com sua rede híbrida de empresas do estado e privadas, trouxe a intenção estratégica de conquistar mercados e absorver tecnologias. O documento coloca em discussão se a rede global de suprimentos ainda se justifica, apesar dos riscos, ou se um retorno à produção local e cadeias de suprimento em rotas mais curtas é o mais indicado.

No Brasil, vivemos um fortuito descompasso. A produção de petróleo e gás está em expansão. A indústria marítima local vem superando desafios. A observação dos acontecimentos nestes primeiros nove meses demonstra o cenário existente. Dois comportamentos distintos chamam a atenção: o interesse de empresas internacionais pelo transporte de cabotagem na costa brasileira e a venda de operações internacionais na navegação de apoio marítimo. A Log-In empresa brasileira de navegação de cabotagem recebeu, em setembro de 2021, oferta da Mediterranean Shipping Company (MSC) para adquirir o controle acionário, estimando o valor da empresa em R$ 2,65 bilhões. A MSC informou interesse em aquisição de 62% e 67% das ações da empresa brasileira, através da subsidiária SAS Shipping Agencies Services Sarl.

No segmento de navegação de apoio marítimo, CBO informou a aquisição da Finarge Apoio Maritimo, de cinco navios tipo AHTS (Anchor Handling Tug Supply). A Mlog-Asgaard comprou da Bourbon Marítima, em 2020, três embarcações AHTS brasileiras (Geonísio Barroso, Haroldo Ramos e Yvan Barreto). Em 2021, numa segunda operação, a Asgaard será a operadora da frota de apoio marítimo do grupo Bourbon e do grupo MLog no Brasil. Para isso, o controle societário da Asgaard passa a ser da MLog e Bourbon, com 50% cada.

O Brasil ocupa o 16º lugar no ranking dos portos da América Latina. A situação preocupa a ABTP (Associação Brasileira de Terminais Portuários), que promoveu o debate entre seus associados e representantes do Minfra e da Antaq para melhorar a posição do país. No primeiro semestre de 2021 carga e contêineres aumentaram 10,5% em relação a 2020. Desde 2019 foram assinados 85 contratos para operação de Terminais de Uso Privado (TUPs), representando R$ 8,7 bilhões em investimentos. Os arrendamentos portuários realizados, desde 2019, em 26 leilões, resultaram na perspectiva de R$ 4 bilhões em investimentos. Há uma política de estímulo ao investimento da iniciativa privada. Entre esses incentivos está a emissão de debêntures incentivadas. O Minfra aprovou recentemente a utilização desse recurso ao Terminal de Vila Velha (TVV-ES), que vai adequar o terminal ao atendimento de embarcações de maior porte e modernização com aumento da capacidade de movimentação para 286.000 contêineres/ano até 2024.

O Porto do Açu fechou contrato com a Vix, empresa de logística do grupo Águia Branca, que ocupará área para armazenar e operar equipamentos de logística de cargas pesadas, transporte rodoviário de cargas e locação de caminhões e equipamentos pesados. O contrato tem duração de 10 anos. A parceria aumenta a capacidade instalada de movimentação de cargas e o portfólio de serviços oferecidos no porto. A união do porto com o operador de logística encontra um sólido exemplo na aquisição da Syncreon (EUA) pela operadora portuária DP World, com sede em Dubai, por US$ 1,2 bilhão. O motivo da aquisição é que a Syncreon oferece soluções para complexas operações de carga e tem forte relacionamento de longo prazo com os proprietários de carga. A Syncreon, com sede em Michigan, fornece soluções de armazenagem e distribuição em 91 instalações em 19 países.

Na navegação interior, um dos segmentos de maior expansão, a Hidrovias do Brasil acredita em crescimento dos corredores hidroviários nas regiões Sul e Norte. O CEO da Hidrovias do Brasil, Fabio Schettino, identificou o corredor de exportação de grãos produzidos no Mato Grosso como a principal via de crescimento para grandes mercados, como Ásia e Oriente Médio. A expectativa é que a produção do estado alcance 94 milhões de toneladas em 2025, ante os 70 milhões/t na safra 2019/2020. A empresa observa que a fronteira agrícola cresce do meio para o norte do estado, o que favorece os negócios da empresa neste trade. O Arco Norte é considerado um polo de importação de fertilizantes. Atualmente, quase 50% do exportado por Barcarena e mais de 40% do que é movimentado por Miritituba são operados pela Hidrovias. A Hidrovias do Brasil, no primeiro semestre, informou acordo com a Imperial Logistics International B.V. para: 1 - aquisição de 100% do capital social da Imperial Shipping Paraguay S.A., sediada em Assunción; 2 - a aquisição de 100% do capital social da Imperial South America BV, sociedade sediada em Druten, na Holanda; 3 - a aquisição de 50% do capital social da Baden S.A., sociedade sediada em Concepción, no Paraguai; 4 - a aquisição do grupo Imperial de 7 empurradores troncais e 84 barcaças, dobrando a capacidade atual da companhia na região.

Na chamada Barra Norte do Rio Amazonas, a Cargill contratou duas consultorias para novos estudos técnicos a fim de pleitear um aumento de calado no curto prazo. A Cargill lidera iniciativa e busca apoio de outras empresas privadas e de autoridades para tocar esse projeto, que prevê um levantamento batimétrico atualizado, a ser aprovado pela Marinha do Brasil, e um estudo de viabilidade logística, com propostas para trânsito de navios de maior porte. A contratação das duas consultorias para a obtenção dos dados batimétricos e para a análise logística vai demandar aportes da ordem de R$ 14 milhões.

Site Portos e Navios – 10/11/2021


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