Cresce preocupação sobre abandono de tripulações durante pandemia
Empresa aponta que, com aumento de custos e burocracias para troca e repatriação de tripulantes, milhares de marítimos são obrigados a permanecer a bordo, mesmo após tempo máximo, de 11 meses, permitido pela legislação internacional.
O setor marítimo passa por uma crise humanitária sem precedentes, agravada pelas restrições e imposições da pandemia. Um dos fatores é a quantidade de embarcações abandonadas, que ocorre quando os armadores deixam de pagar os salários por pelo menos dois meses, quando deixam de arcar com as despesas de repatriação, ou quando deixam o marítimo sem manutenção e apoio. A avaliação é da 7Shipping, empresa que presta serviços de troca de tripulação para agências marítimas.
As más condições vivenciadas pelos tripulantes em alto mar vêm causando preocupação entre os profissionais da categoria. De acordo com a Organização Marítima Internacional (IMO), existem registros de mais de 250 casos do tipo em todo o mundo. Em 2020, foram 85 novos registros, o dobro do ano anterior e, até julho deste ano, outros 53 casos relatados pelo comitê jurídico da organização.
O diretor da 7Shipping, Leonardo Brunelli, observa que a pandemia contribuiu para o número de navios abandonados e aumentou o descaso com marítimos, impactando o bem-estar físico e mental desses profissionais. Ele explicou que, com o aumento de custos e burocracias para a troca e repatriação de tripulantes, milhares de marítimos são obrigados a permanecer a bordo, mesmo após o tempo máximo de 11 meses, permitido pela legislação internacional.
Ele relatou casos em que empresas chegam a dificultar as trocas de tripulação em alguns países a fim de evitar o aumento de custos. Segundo Brunelli, muitas delas fogem de custos adicionais com hospedagem e deslocamento, sobretudo de profissionais com origem em países com alto número de casos de contaminação pela Covid-19. “Os maiores problemas continuam sendo as restrições de viagens, cancelamento de voos e a escassez de marítimos. Países como a Índia concentram 15% da população da mão de obra marítima no mundo. A quarentena para essa classe é custosa”, explicou , em entrevista à Portos e Navios.
Brunelli citou um episódio recente de abandono de tripulação no Brasil durante a pandemia, envolvendo o navio Srakane, cuja dívida trabalhista ultrapassou US$ 111 mil, o equivalente a mais de R$ 600 mil. Além dos problemas financeiros, os 15 tripulantes a bordo da embarcação, em alguns momentos, precisaram reduzir a alimentação da equipe. O diretor da 7Shipping salientou que esse cenário evidencia a violação à convenção sobre trabalho marítimo. Na ocasião, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com uma ação civil pública com pedido de liminar para reverter a situação, que foi acatada pela Justiça do Trabalho.
“Após longo período no mar, é inegável o impacto no bem-estar físico e mental desses profissionais, aumentando consideravelmente o risco de incidentes e desastres ambientais”, disse Brunelli. Ele destacou que a empresa já repatriou mais de quatro mil tripulantes durante a pandemia e foi uma das primeiras empresas brasileiras do segmento a assinar a ‘Declaração de Netuno’, reafirmando seu compromisso com a causa. O documento prevê medidas, como a implementação de protocolos de saúde padrão-ouro, acessos preferenciais às vacinas da Covid-19, além do aumento da colaboração entre operadores e fretadores para facilitar as mudanças na tripulação.
Outro desafio nesses impasses, segundo especialistas, é determinar o responsável e a indenização do ocorrido devido à quantidade de processos envolvendo empresas, seguradoras e agências governamentais. Um caso recente foi a liberação de um tripulante que passou quatro anos preso a bordo de um navio retido no porto egípcio de Adabiya, com documentação expirada e problemas financeiros. “Esses entraves e a demora na negociação passam a ser preocupantes, sendo que há casos que demoram anos para ter solução”, avaliou.
Problemas relacionados à saúde mental de seus trabalhadores são preocupantes para o setor marítimo, na medida em que afetam diretamente as operações seguras de um navio e podem resultar em pequenos incidentes ou, até mesmo, em grandes desastres. Um estudo realizado entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021 revelou que as tripulações da Ásia e da Europa Oriental foram as que mais sofreram com esgotamento e depressão neste período. O comitê jurídico criado pela IMO vem elaborando diretrizes para os estados de bandeira e portos sobre como lidar com abandonos e devem ser concluídas em 2022, a fim que os casos possam ser resolvidos mais rapidamente.
Site Portos e Navios – 14/09/2021
