2022-10-13
Especialistas defendem cooperação interagências para coibir crime organizado nos portos do Brasil

Traficantes internacionais de cocaína – principalmente produzida por países andinos para o mercado consumidor da África, Ásia e Europa – continuam utilizando complexos portuários brasileiros como portas de entrada e saída da droga ilícita

Os portos brasileiros continuam sendo, de forma recorrente, um dos meios utilizados pelo crime organizado transnacional para o tráfico de cocaína, principalmente produzida por países andinos com destino ao mercado consumidor estrangeiro, com destaque para África, Ásia e Europa. Por essa razão, segundo Alice Alves Casanova, mestre em estudos marítimos pela Escola de Guerra Naval, os agentes nacionais de proteção portuária admitem a necessidade urgente de intensificar a cooperação interagências no combate a esses crimes cometidos nos complexos portuários do país.

Durante uma live realizada pelo Comitê de Segurança da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP), nesta terça-feira (11), a pesquisadora trouxe informações sobre esse cenário, tanto daqui como de fora, a partir do próprio estudo “Redes e Portos: Como o conceito de rede e segurança pode promover a cooperação interagências na proteção portuária”.

“O Crime Organizado Transnacional (COT) tem utilizado os portos do mundo como portões de entrada e saída para o tráfico internacional de cocaína, além de armas, mercadorias falsas ou contrabandeadas, entre outros ilícitos. Os criminosos usam as rotas marítimas regulares para traficarem toneladas de cocaína produzidas, principalmente, na Bolívia, Colômbia e Peru”, apontou Alice.

De acordo com a especialista, o COT – que vem atuando cada vez mais como redes criminosas – se destaca por ser horizontal, fluido, adaptável, flexível e resiliente à intervenção das forças de segurança. No caso do Brasil, ela citou como exemplo o PCC (Primeiro Comando da Capital) que, além de contar com várias células atuantes em diferentes estados, também mantém “relações de negócio” com outras facções criminosas da América do Sul, principalmente Bolívia e Paraguai, e da Europa, com destaque para a organização criminosa italiana “Ndrangheta”.

“Estudiosos de defesa e de segurança, além dos serviços de inteligência de segurança internacionais, vêm empregando a metodologia da Análise de Redes Sociais (Social Network Analysis) para mapear criminosos e suas relações, com o objetivo de reprimir esse tipo de crime”, informou a mestre em estudos marítimos, relatando que o tráfico internacional de cocaína tem sido o principal ilícito cometido nos portos brasileiros, sendo escondida dentro de contêineres (rip-on/rip-off), de maquinários, eletrônicos, commodities agrícolas e em compartimentos de navios.

Para combater a natureza complexa e em redes desse tipo de crime organizado, a pesquisadora afirmou que a governança da proteção portuária dos principais portos internacionais, especialmente nos Estados Unidos, União Europeia e Austrália, tem adotado diferentes abordagens como arranjos interagências, que ocorrem via forças-tarefa conjuntas e redes de segurança, além do policiamento híbrido.

“No Brasil, nos últimos anos, houve crescimento significativo do número de apreensões de toneladas de cocaína nos principais portos de exportação do país, em especial no Porto de Santos”, disse a mestre em estudos marítimos, ressaltando que os complexos portuários são infraestruturas vitais por concentrarem 90% do comércio global por meio do fluxo de mercadorias, de ativos e de pessoas.

Ação conjunta

Como forma de cooperação de interagências, ela destacou iniciativas, principalmente nas fronteiras, como o Programa de Proteção Integrada de Fronteiras (PPIF). “Em relação à infraestrutura portuária, considerando a complexidade do ambiente e multiplicidade de seus atores, sejam eles públicos ou privados, essa cooperação é imprescindível para a governança da proteção portuária, ao falarmos de prevenção e repressão das atividades do narcotráfico”, reforçou a especialista.

Ainda apontou que, nos últimos anos, o número de apreensões de cocaína nos portos do Brasil aumentou, exponencialmente, a partir do trabalho de interagências fomentado pela Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis/Comissão Estadual de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (Conportos/Cesportos), entre autoridades portuárias, agências públicas de segurança, reguladoras e aduanas – como o Núcleo Especial de Polícia Marítima (Nepom) e a Receita Federal do Brasil (RFB) –, organizações de segurança privada, supervisores de segurança dos terminais portuários e com o apoio da Marinha do Brasil

Chefe da Interpol no Brasil, Rodrigo Carnevale destacou a atuação da Organização Internacional de Polícia Criminal (em português) como o canal de comunicação mais antigo dessas operações internacionais, tendo sido criada em 1923 e contando, atualmente, com a integração de 195 países, entre eles o Brasil,

“Sabemos que a cooperação interagência seria um tipo de gênero e a cooperação policial internacional seria uma espécie, portanto, um pouco diferente. Eu acredito que a cooperação interagências esteja mais relacionada a atores diversos, com competências distintas, ao passo que a cooperação policial internacional seria uma espécie de cooperação interagências homogêneas e dos portos. uma cooperação heterogênea, considerando suas particularidades”, disse Carnevale.

Presidente da Conportos e chefe do Serviço de Segurança Portuária da Polícia Federal (PF), Marcelo João da Silva reforçou a necessidade de haver uma cooperação internacional e de ações estratégicas que visem coibir o narcotráfico via portos. “Esse cenário coloca em xeque a própria imagem do Brasil, pois nosso país está muito vinculado à balança comercial, à exportação. E classificar nossos portos como inseguros, diante da comunidade internacional, poderia trazer uma consequência desastrosa para nossa economia”, alertou ele, anunciando que, após uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), a PF está implementando um plano de estruturação de seus núcleos especiais, com destaque para as ações da polícia marítima.

Site: Portos e Navios – 13/10/2022


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