Faltam estatísticas sobre tipos de acidentes marítimos no Brasil, diz advogada trabalhista
No primeiro semestre deste ano DPC registrou que, dos 438 acidentes marítimos, 99 foram com lanchas, 44 com navios graneleiros, 31 com motos aquáticas, 20 em plataformas e 16 em veleiros
Máquinas e equipamentos obsoletos sem a devida manutenção, acessórios de movimentação de cargas não inspecionados, estruturas metálicas corroídas e mão de obra não qualificada são alguns dos responsáveis por acidentes de trabalhadores marítimos. É o que afirmou a advogada previdenciarista e trabalhista Renata Brandão Canella, professora e especialista em Direito do Trabalho, à Portos e Navios.
Em caso de acidente ou fato de navegação, a Marinha do Brasil é o órgão competente para registrar, averiguar e até investigar, se necessário for, esse tipo de episódio. De acordo com o artigo 14 da Lei 2.180/54 são considerados acidentes da navegação marítima: as avarias ou defeitos na embarcação, que coloquem em risco a embarcação e a saúde física dos trabalhadores; abalroação, que está ligada ao choque entre dois navios ou embarcações; e arribada, quando se é obrigado a entrar em um porto para fazer uma escala não programada, por motivo de força maior.
A jurista citou casos de alijamento (ato de lançar ao mar objetos pertencentes à carga ou ao navio); água-aberta (decorre da abertura abaixo da linha d´água, permitindo sua entrada em espaços internos da embarcação, provocada por quaisquer falhas que comprometam a vedação da embarcação); além de colisão, encalhe, explosão, fazendas de bordo, incêndio, varação e naufrágio.
Já o artigo 15 da mesma lei aponta como fatos de navegação: “o mau aparelhamento ou a impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada, e a deficiência da equipagem; a alteração da rota; a má estimação da carga, que sujeite a risco a segurança da expedição; a recusa injustificada de socorro à embarcação em perigo; todos os fatos que prejudiquem ou ponham em risco a incolumidade e segurança da embarcação, as vidas e fazendas de bordo; o emprego da embarcação, no todo ou em parte, na prática de atos ilícitos, previstos em lei como crime ou contravenção penal ou lesivo à Fazenda Nacional”.
De acordo com a Diretoria de Portos e Costas (DPC) da Marinha do Brasil, o registro oficial “Inquéritos Administrativos sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN)” destacou que, no primeiro semestre deste ano, dos 438 acidentes marítimos, 99 foram com lanchas, 44 com navios graneleiros, 31 com motos aquáticas, 20 em plataformas, 16 em veleiros, entre outros. Na opinião da advogada, o gargalo no país está relacionado ao fato de que não há uma tipificação dos acidentes com trabalhadores e trabalhadoras em portos, terminais portuários, plataformas, dentro dos navios ou em outros tipos de embarcações.
“Em mais uma de nossas investigações sobre segurança do trabalho, pudemos rever que não há estatísticas sobre quais acidentes, envolvendo trabalhadores portuários. são mais frequentes no Brasil, assim como em plataformas ou, por exemplo, em barcos de pescadores”, alertou Renata, que é sócia do Brandão Canella Advogados, escritório com expertise em Direito Trabalhista e Previdenciário Marítimo e Portuário. Conforme a especialista, o trabalho marítimo internacional tem mais controle, apontando como principais acidentes: choque elétrico, a partir do contato entre água e eletricidade; escape de eletricidade, principalmente de pesca profissional; entre outros.
“Os trabalhadores marítimos que mais sofrem acidentes dentro de navios, principalmente, são cozinheiros, marinheiros de convés e moços de convés (profissionais do escalão de marinhagem da Marinha Mercante em início de carreira ou em aprendizagem para se tornarem marinheiros, a bordo de uma embarcação). Na parte portuária, os principais estão ligados ao manuseio de metais pontiagudos; construções metálicas fora do padrão, com destaque para uma frequência maior em portos não privados; manuseio de corda, que pode levar à amputação de membros, como os dedos; entre outros. Muitos desses materiais pontiagudos também podem ocasionar infecções, perda de membros ou da visão”, citou Renata.
Em relação aos pescadores, ela destacou que o histórico está relacionado às infecções causadas por golpes e cortes feitos em peixes e mariscos, por meio do uso de objetos cortantes, ou dos próprios peixes (dependendo da espécie) e da limpeza dos barcos. “Dores posturais por carregar excesso de peso também são recorrentes, levando a problemas na coluna, bico de papagaio e hérnia. Também há problemas advindos da calefação dos barcos – que é obrigatória por causa do frio –, que pode causar choques e queimaduras”.
Norma regulamentadora
Para regular a proteção obrigatória contra acidentes e doenças profissionais, facilitar os primeiros socorros a acidentados e obter as melhores condições possíveis de segurança e saúde para os trabalhadores portuários, a especialista mencionou a Norma Regulamentadora – NR 29: “Quem trabalha a bordo está sujeito a vários riscos. Além disso, na maioria dos casos, quando ocorre um acidente durante o transporte ou durante a permanência das embarcações em locais distantes, apenas suas tripulações têm contato via especialistas de telecomunicações, que empregam o que podem na tentativa de resolver a situação, tendo ajuda e fornecimento na atenuação de suas consequências”.
Na visão da advogada, os marítimos devem buscar certas soluções, usando suas próprias habilidades e experiências, confiando em seu nível de conhecimento sobre o navio ou outro tipo de embarcação, além de buscar educação e formação necessárias como elementos cruciais para sua própria segurança e em casos de emergência. “Os marítimos devem estar sempre em alerta aos riscos inerentes ao desempenho das diversas atividades profissionais executadas igualmente em terra e dos perigos decorrentes das condições específicas da agressividade do ambiente marinho, além do abandono drástico de obstáculos no local de trabalho ou residência sendo isso, eventualmente, em caso de passageiros”, orientou a especialista.
Renata recomendou que todos esses cuidados sejam tomados por quem exerce funções marítimas, incluindo trabalhos em portos, navios militares e outras atribuições de navios de estado, que trabalhem nos terminais de petróleo, dragagem, cabo disparador marinho, entre outras atividades industriais e científicas, ou que utilizem navios e submarinos, tais como mergulho, náutica de recreio, desportos aquáticos, entre outros. “Embora haja um quadro de ação para atividades marítimas de alto risco, os resultados dos esforços podem aumentar as medidas de segurança, que têm os principais riscos de acidentes marítimos, incluindo a imposição de regras internacionais mais adequadas. A interação entre a segurança marítima, ambiental e segurança do trabalho é suma importância para regulamentar e fiscalizar a segurança, evitando acidentes”, alertou.
Ela exemplificou a classificação dos riscos ocupacionais mais comuns no setor marítimo, a partir de uma lista genérica do risco ocupacional mais comum para navios, tais como riscos físicos: iluminação insuficiente ou inadequada; temperaturas extremas; radiação ionizante e radiação não ionizante (incluindo luz solar); efeitos diretos da exposição à corrente elétrica; níveis de ruído e vibração que excedam os exigidos pela legislação; flutuações de pressão além do aceitável e explosão. Os riscos ocupacionais mais comuns são ruídos de instalações de equipamentos; estresse e riscos psicossociais; lesões musculoesqueléticas; infecções causadas por golpes e cortes feitos no peixe e marisco; riscos ambientais diretos, tais como vento, frio, umidade e sol forte.
Danos causados a membros inferiores e superiores decorrem de pancadas com objetos contusos que provocoam edemas, pancadas em cargas suspensas; passagem pelo batente de portas externas (mais alto que o normal); esforço excessivo devido ao carregamento de peso sobre os ombros (sacos de alimentos, latas de tintas, equipamentos); mal jeito; transporte de material de metal com bordas e pontas; esmagamento sob cargas pesadas; equipamentos movidos a vapor superaquecido no convés; entre outros.
Adicional de riscos
Do ponto de vista do Direito do Trabalho regido por lei, o advogado trabalhista e previdenciarista Sergio Eduardo Canella, sócio do escritório Brandão Canella Advogados, explicou sobre a obrigatoriedade do adicional de riscos para trabalhadores portuários. “Muitas dúvidas ainda pairam sobre esse tema relacionado aos trabalhadores que prestam serviços nas instalações portuárias. Vale ressaltar que o adicional de risco foi instituído pela Lei 4.860/1965, por meio do artigo 14 que diz: ‘a fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o adicional de riscos de 40%, que incidirá sobre o valor do salário-hora ordinário do período diurno e substituirá todos aqueles que, com sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos’”, citou.
De acordo com o especialista, tem direito ao adicional de risco o profissional portuário que desenvolver suas atividades em área de risco, exposto por agentes insalubres, perigosos e outros, de forma intermitente como, por exemplo, ruído excessivo (navio, guindaste), cargas transportadas nos contêineres, que também podem ser prejudiciais à saúde do trabalhador. “É fundamental observar que, a partir do momento em que o obreiro é retirado da área de risco ou o agente agressivo é eliminado ou removido, ele não fará mais jus ao recebimento do respectivo adicional. O adicional somente será devido durante o tempo efetivo no serviço considerado sob o risco”, explicou Canella.
O advogado reforçou que o adicional de 40%, que incide sobre o salário-hora do trabalhador, não pode ser cumulativo com outro adicional como, por exemplo, o de periculosidade ou insalubridade. “Também é importante informar que ele será pago apenas uma vez, independentemente se ocorrer a exposição simultânea a mais uma causa de risco. Entende-se que o referido adicional de risco englobe todos os agentes e fatores de agressão ao trabalhador”.
Trabalhador avulso
Outro ponto importante e controverso, que foi resolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 222 de repercussão geral, fixou a seguinte tese, em 3 de junho de 2020: “Sempre que for pago ao trabalhador com vínculo permanente, o adicional de riscos é devido, nos mesmos termos, ao trabalhador portuário avulso (TPA)”.
“Para a percepção do adicional de risco e para que se prevaleça o princípio da isonomia, o entendimento é de que basta prestar serviços na área portuária, independentemente da relação jurídica que une o prestador de serviços ou se o trabalhador com vínculo empregatício é permanente ou avulso. Desde que exerçam as mesmas funções e nas mesmas condições, não há diferença entre eles”, informou o advogado.
Caso o trabalhador estiver sujeito a agentes agressivos, que possam prejudicar sua integridade física, seja com vinculo permanente ou avulso, “ele deve se atentar para o fato de que haverá repercussão desse tempo de trabalho, em condições especiais para sua futura aposentadoria, trazendo reflexos diretos em sua previdência social”.
Site: Portos e Navios – 30/08/2022
