2022-08-25
Ciência que vem do mar: algas marinhas viram biofertilizantes

Plantas aquáticas, que fornecem muito oxigênio para o meio ambiente, funcionam como verdadeiras “esponjas marítimas”, absorvendo o excesso de nutrientes minerais presentes nas águas litorâneas, resultantes da poluição humana que atinge praias e oceanos, principalmente por falta de saneamento básico adequado

Do mar para a lavoura. É assim que poderia ser resumida uma nova tecnologia científica para produção de biofertilizantes, a partir de algas marinhas, desenvolvida pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A macroalga “Kappaphycus alvarezii” está sendo cultivada em Palhoça, município da Grande Florianópolis (SC) – região que lidera, nacionalmente, a produção de mariscos. Depois de processada, ela se transforma em um bioinsumo para ser utilizado, com destaque, na agricultura.

Pesquisador e líder do projeto na Epagri desde 2020, o engenheiro agrônomo Alex Alves dos Santos informou que o biofertilizante começou a ser produzido no segundo semestre de 2021, provocado por uma demanda de empresas que vendem fertilizantes no Brasil. As primeiras comercializações foram voltadas aos produtores do Rio de Janeiro, que também cultivam essa macroalga há algum tempo, chegando posteriormente a Santa Catarina, levando em conta que o Rio não conseguiu atender à demanda iniciada no país.

“Quando Santa Catarina recebeu a autorização ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovávei), em janeiro de 2020, para implantar os cultivos comerciais dessa macroalga, as empresas de fertilizantes passaram a nos procurar. Nossa primeira safra foi de apenas 102,3 toneladas de algas frescas, em apenas dois ciclos de cultivo, mas nossa projeção é de quatro ciclos de cultivo por safra”, relatou Santos à Portos e Navios.

Em Santa Catarina, as safras começam em setembro e finalizam em maio do ano seguinte, totalizando oito meses de cultivo. “O biofertilizante pode ser utilizado em diversas culturas, desde plantas para consumo humano [cultivadas via agricultura] até as ornamentais. Muitos estudos ainda serão conduzidos para definirmos suas concentrações, frequências de adubações, em qual estágio de desenvolvimento das plantas deverão ser aplicadas, entre outros experimentos”, disse o pesquisador.

Segundo o engenheiro agrônomo, os benefícios da espécie “Kappaphycus alvarezii”, relatados na literatura, vão desde o aumento de produção, produtividade, conferência de maior vigor às plantas, que se tornam mais protegidas contra pragas e doenças, além da diminuição da perda de umidade dos vegetais para o meio ambiente e da obtenção de maior resistência durante períodos de estiagem, que prejudicam as lavouras.

“Existem trabalhos de aplicação em soja, milho, trigo, banana, uva, entre outros produtos agrícolas, mas eu diria que o uso do biofertilizante feito dessa alga, na agricultura, ainda tem um longo caminho a percorrer, até que todos esses estudos mencionados sejam conduzidos, satisfatoriamente”, ponderou o pesquisador.

Alto valor de mercado

Conforme Santos, o diferencial do biofertilizante produzido a partir da macroalga “Kappaphycus alvarezii” e seus efeitos sobre as plantas são atribuídos, principalmente, aos fitormônios presentes em sua composição química. “A Epagri está conduzindo um projeto de pesquisa para, justamente, investigar a composição química dessa alga e de seus subprodutos, como o próprio biofertilizante e o farelo resultante da extração delas.”

De acordo com o engenheiro agrônomo, esse farelo, mesmo após a extração do biofertilizante ou extrato de alga, é rico em carragenana – um hidrocoloide extraído da parede celular, que é amplamente utilizado pela indústria alimentícia, farmacêutica, de cosméticos, papel, têxtil, petrolífera e até na biotecnologia, graças às suas propriedades gelificante, espessante, estabilizante e emulsificante.

Suas vantagens também passam pela questão econômica: “Em 2009, o volume comercializado no mundo passou de US$ 1 bilhão, sendo que o Brasil importa uma média anual de US$ 20 milhões em carragenana. Quando pensamos em explorar essa alga em Santa Catarina, visávamos atender à indústria da carragenana, trazendo seus valores de importações para nossos produtores, Mas nos últimos dois anos, algo mudou. A demanda por esse biofertilizante despertou o interesse dos produtores para a importância do nascimento dessa nova cadeia produtiva, agora, para atender à indústria de biofertilizantes”.

O pesquisador da Epagri ainda informou que a indústria da carragenana paga em torno de R$ 0,45 por quilo de alga fresca e a indústria de biofertilizantes entre R$ 2,00 a R$ 5,00. “Acredito que esses valores dispensam qualquer avaliação econômica, principalmente sobre qual indústria oferece as melhores condições de lucro para o produtor de algas.”

Estudos já duram 14 anos

Os estudos com a macroalga “Kappaphycus alvarezii” começaram em 2008, como alternativa para a variação dos cultivos marinhos de Santa Catarina que produziam, até então, somente moluscos (ostras, mexilhões e vieiras). “Com essa diversificação, pretendíamos incentivar os maricultores a ampliarem os lucros de suas fazendas marinhas, melhorando a qualidade das águas de cultivo. Isso porque as algas marinhas funcionam como verdadeiras esponjas no mar, absorvendo o excesso de nutrientes minerais presentes nas águas litorâneas, resultantes da poluição humana que atinge as nossas praias e oceanos, principalmente por falta de saneamento básico adequado”, comentou.

Santos ressaltou, no entanto, que esses 14 anos não foram para “colocar o biofertilizante no mercado”, mas para realizar os estudos ambientais exigidos pelo órgão ambiental federal. “Por ser uma alga exótica foi preciso atender ao ordenamento legal, para introdução de uma nova espécie no ambiente marinho catarinense. No entanto, essa comprovação foi alcançada somente em 2012, mas o Ibama indeferiu nosso pedido e permaneceu protelando nossas infindáveis reinvindicações de autorização até que, em 2019/2020, por meio do Ministério da Agricultura, conseguimos a autorização para nosso Estado”, contou o pesquisador da Epagri, lembrando que apenas o Rio de Janeiro e São Paulo possuíam essa mesma autorização.

Sustentabilidade ambiental

Conforme explicou o cientista, as fazendas marinhas são como propriedades rurais em terra, que exploram suas áreas com a agricultura. Na água, porém, são cultivados os moluscos e, agora, as algas. “A comercialização de moluscos é um processo caro, demanda muita logística e mão de obra especializada para a venda desses produtos, que precisam estar climatizados, inspecionados e rastreados. No caso das algas, a venda é por safra a granel, tudo de uma vez, sem exigências higiênicas e sanitárias, ou seja, são mais fáceis e mais baratas.”

Outra diferença importante é a mão de obra necessária para o cultivo de moluscos e algas: “Diria que, com as algas, a mão de obra é 20% a 40% menor que a produção de moluscos, lembrando que a variação dependerá do sistema de cultivo adotado para ambos”.

Do ponto de vista da sustentabilidade do meio ambiente, Santos destacou que as algas representam uma fonte de nutrientes ambientalmente responsáveis, uma vez que não é resultante do extrativismo de jazidas. “As algas usam o excesso de nutrientes da água e a energia do sol para realizarem a fotossíntese e produzirem biomassa, sequestrando carbono em grande quantidade. Uma tonelada de alga é capaz de absorver 1,4 tonelada de gás carbônico (CO2). Isso é fantástico, pois, além do comércio do biofertilizante, da carragenana, o produtor pode lucrar com o comércio de créditos de carbono, ainda incipiente no Brasil e no mundo, mas em franco crescimento e consolidação global”, sugeriu o pesquisador.

Site: Portos e Navios – 25/08/2022


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