Valor do frete marítimo continua o vilão das exportações de frutas e peixes
Especialistas da Peixe BR e Abrafrutas avaliaram o cenário de mudanças drásticas para os dois setores, após a pandemia, e o momento de readaptações ligadas à sustentabilidade e às novas tecnologias
As exportações de peixes de cultivo e de frutas do Brasil, que em geral utilizam duas modalidades de transporte — o marítimo e o aéreo —, ainda não recuperaram totalmente o fôlego, após a crise sanitária da Covid-19.
Segundo Francisco Medeiros, presidente executivo da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), a maior dificuldade desse setor, no início da pandemia, esteve relacionada à falta de voos para embarques para o exterior, além do aumento alarmante do preço do frete. Atualmente, o maior problema continua sendo os valores cobrados pelo transporte via mar, o que incluindo o segmento de frutas.
“Houve um apagão de contêineres em nível global no transporte marítimo e, posteriormente, o aumento dos valores do frete, que nos levaram à perda de competitividade”, disse Medeiros.
De acordo com o executivo, o cenário do transporte de contêineres ainda não mudou em níveis necessários: “A situação continua caótica para as exportações de peixes de cultivo. O preço do frete associado ao congestionamento nos portos têm levado à perda de negócios”.
Mesmo diante dos atuais gargalos, que impediram um crescimento maior das vendas externas, a boa notícia é que esse setor da piscicultura registrou um aumento significativo, entre janeiro e junho de 2022. “As exportações de peixes de cultivo totalizaram US$ 14,35 milhões e 4,9 mil toneladas, no primeiro semestre deste ano, contra US$ 7,18 milhões e 4,3 mil toneladas no mesmo período de 2021. Exportamos o dobro a mais em dólar e 14% em volume”, informou Medeiros.
Ele citou como destaque absoluto a tilápia, que teve alta de 99% em volume, e os Estados Unidos como o principal comprador, chegando a 63% do total ou US$ 10,9 milhões. “Poderíamos ter avançado mais, não fosse o explosivo aumento dos custos em toda a cadeia produtiva e a dificuldade de repasse para os consumidores”, analisou o presidente da Peixe BR.
Conforme Medeiros, o transporte marítimo de cargas refrigeradas continua sendo o principal modal das vendas externas de peixes de cultivo do país. “No entanto, o valor dos fretes ainda está bem acima dos níveis históricos — ou seja, da pré-pandemia —, o que, efetivamente, impede nosso setor de avançar nas exportações”, reforçou.
Fase de readaptação
Diretor de Logística da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), Alexandre Duarte afirmou que as vendas externas de frutas não estão normalizadas, mas que, pouco a pouco, vêm se ajeitando como tudo no mundo pós-pandemia. “Estamos recuperando o tempo perdido e alinhando nossos transportes internacionais e nossos preços, de olho na volta ao normal relacionada ao fluxo de navios. Em relação aos preços dos fretes marítimos, eles já estiveram piores, no auge da pandemia, atingindo valores absurdos na fase da falta de contêineres e de navios para o Brasil”, ressaltou.
Duarte acredita que a situação possa melhorar entre o segundo semestre deste ano e o início de 2023, em torno dos preços do frete marítimo, mas não em um cenário parecido com o da pré-pandemia. “Os valores dos contêineres devem seguir a tendência mundial dos preços de outros insumos, como os combustíveis dos navios e o preço do petróleo, que corresponde a um gasto absurdo no transporte internacional. As companhias aéreas e marítimas não têm como fazer milagre, mantendo baixos os preços do transporte e pagando caro por seus insumos e despesas.”
Ao avaliar a situação de dois anos atrás para cá, o diretor de logística da Abrafrutas lembrou que o mundo tinha uma oferta muito grande de transporte, mas isso mudou drasticamente com a crise sanitária decorrente da Covid-19, considerando, inclusive, que muitos profissionais do mar não retornaram aos seus postos de trabalho. “As empresas estão passando por uma profunda fase de readaptação em todos os aspectos, mas especialmente em torno de questões que envolvem a sustentabilidade ambiental, um tema que ficou mais forte com a pandemia.”
Analisando sob esse viés, Duarte comentou que as companhias marítimas, ao projetarem um novo modelo de navegação, mais sustentável, também enfrentam uma fase de adaptações: “As empresas transportadoras estão ajustando os motores dos navios e utilizando combustível verde — o biocombustível. Tudo isso demanda investimentos altos para que elas se alinhem, agora, às exigências do mercado futuro. E esse investimento, inevitavelmente, será repassado para o transporte, mas acredito que as empresas estejam se programando, de forma que consigam atender a todos, dentro de uma exigência global de sustentabilidade”.
Processo de digitalização
Na opinião do diretor de logística da Abrafrutas, as empresas exportadoras desse setor não têm como se reinventar muito, porém elas devem se adaptar às novas condições sanitárias, que estão vigorando globalmente, com destaque para as novas tecnologias de rastreabilidade das operações marítimas e portuárias.
“Também estamos observando um aumento da digitalização de documentos, como forma de evitar que as mercadorias fiquem retidas em alfândegas do mundo inteiro, por causa de papéis, restrições alfandegárias e burocracias, considerando que a legislação internacional de cargas, em geral, é muito pesada. Você ainda passa por riscos de narcotráfico, riscos de produtos não homologados e do contrabando internacional”, alertou Duarte.
Na visão dele, pelo fato de o setor de frutas ter de seguir normas muito rígidas, assim como tantos outros segmentos que atuam na exportação de alimentos, no lugar de reinventar é necessário desburocratizar muitos dos sistemas vigentes no transporte internacional. “As regras podem ser simplificadas e atualizadas, modernizando e digitalizando, tanto na parte sanitária como na tributária”, sugeriu Duarte.
Site: Portos e Navios – 23/08/2022
