Sem aperto de mão, Rússia e Ucrânia assinam acordo para retorno das exportações de grãos
Transporte marítimo pelo Mar Negro, usado para escoamento das commodities agrícolas ucranianas, estava parado desde o início da guerra entre os dois países do leste europeu. Retomada valerá, inicialmente, por quatro meses
Em guerra desde 24 de fevereiro, Rússia e Ucrânia assinaram nesta sexta-feira (22) um acordo, restritamente comercial, de reabertura dos portos ucranianos, para as exportações de grãos pelo Mar Negro, que estavam paralisadas desde o início do conflito entre os dois países do leste europeu. O plano para a retomada desse escoamento valerá, inicialmente, por 120 dias.
Conforme agências internacionais noticiaram, hoje, ministros de governo da Rússia e da Ucrânia assinaram o acordo separadamente, evitando se sentarem à mesma mesa ou apertarem as mãos, durante um evento realizado em Istambul, na Turquia.
“Hoje, há um farol no Mar Negro. Um farol de esperança, de possibilidade e alívio em um mundo que precisa mais do que nunca”, disse Antonio Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), durante a cerimônia de assinatura.
O analista de inteligência qualitativa no Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV/NPII), Leonardo Paz Neves, avaliou o acordo como uma boa notícia, considerando que ele era esperado há algumas semanas, principalmente por conta das mediações da Turquia e da ONU nesse imbróglio comercial.
“É um número expressivo de grãos em algumas cidades ucranianas, prontos para serem exportados, principalmente porque parte delas está sob o controle dos russos. Até agora, qualquer navio que fosse trafegar pelo Mar Negro corria o risco de ser abordado ou até mesmo alvejado pelos russos. Isso fez com que os ucranianos não tivessem tranquilidade e segurança para exportarem seus grãos”, relatou Neves, à Portos e Navios.
Ele comentou que esse acordo comercial estava travado em uma série de questões. “Parte do litoral da Ucrânia está com minas antinavios para que essas embarcações não pudessem chegar aos seus destinos, para que a marinha russa não pudesse chegar. A Rússia tinha sugerido que fosse desminada essa parte, para poder liberar os navios, mas obviamente a Ucrânia não faria isso por achar que seria enganada. Os russos também sugeriram, posteriormente, que os ucranianos poderiam controlar esse percurso”, contou o especialista da FGV/NPII.
Neves disse que a briga girava em torno de quem cederia e em qual parte, mediante um provável acordo comercial: “Ainda é cedo para sabermos os detalhes específicos de quem cedeu o que, mas o importante é que esses grãos serão liberados. Isso tende a aliviar, especialmente, os países que estão mais pressionados pela alta da inflação dos alimentos”.
De acordo com o analista, as nações menos favorecidas – do ponto de vista econômico – vinham sofrendo com essa situação, por terem dificuldades de lançarem mão, de forma mais extensa, de suas reservas de alimentos. “Por causa disso, alguns países mais pobres estavam comprando grãos mais caros no mercado. Portanto, esperamos que essa liberação possa trazer um pouco de alívio nos preços dos grãos para que, obviamente, alivie a cadeia de alimentos”, analisou Neves.
Danos às estruturas logísticas
O consultor de mercado e head de grãos e projetos da Agrifatto Consultoria, Stefan Barradas Podsclan, vê o acordo comercial com certa desconfiança: “Em um primeiro momento, a ‘abertura’ é entendida como aumento de oferta de grãos, mas ressalvas devem ser colocadas. Quanto tempo a Ucrânia vai levar para reestabelecer toda a operação portuária?”, indagou.
O especialista disse à Portos e Navios que há divergências apontando para uma retomada das exportações de grãos em algumas semanas, e outras dizendo que podem levar meses, considerando que muitas estruturas logísticas foram danificadas. “É necessário restabelecer toda a logística interna [da Ucrânia] até o porto e reparar os estragos de silos, armazéns, ferrovias, rodovias, pontes e shiploads que foram danificados”, alertou.
Podsclan também citou outro ponto: o controle dos russos. “Eles vão permitir uma retomada normal das exportações ou vão controlar esse fluxo? Todo esse processo tende a ser mais lento, porque os militares certamente vão fazer vistorias nos navios, à procura de armas ou outros equipamentos que possam ser configurados como ‘contrabando’ ou ‘atentado à paz’, porque a Ucrânia estaria se militarizando”. O consultor acredita que, como a invasão à Ucrânia foi uma decisão unilateral da Rússia, qualquer “movimento no xadrez” das sanções, que a União Europeia (UE) e os Estados Unidos impuseram à Rússia, pode desagradá-la levando-a a fechar os portos novamente.
“As tradings e empresas de comércio na região, provavelmente, não vão querer pagar por esse risco de abre-fecha. Talvez usem estratégias de comercialização daquilo que já esteja disponível e evitem aquisições futuras, justamente pela insegurança local. Ainda é difícil quantificar o quanto esse ‘acordo’ vai impactar diretamente, mas é fato que essa reabertura traz um sinal de aumento da oferta de grãos, mas o ponto é saber se as empresas estão dispostas a correrem esse risco”, alertou Podsclan.
Site: Portos e Navios – 25/07/2022
