Alte Lima Filho: aumento de registros sinaliza aquecimento da indústria marítima
Juiz-presidente do Tribunal Marítimo, que transmitirá cargo em agosto, projeta Corte do Mar superando média de julgamentos este ano. Indicado para diretoria da Antaq, aguarda sabatina e espera levar experiência de fiscalizador, normatizador e julgador para agência reguladora
O Tribunal Marítimo contabiliza um aumento no número de registros de embarcações desde 2018. Mesmo em 2020, durante a pandemia, houve 628 registros de embarcações em 2020, ante 558 no ano anterior, chegando a 2021 com 890 embarcações registradas. No acumulado do ano até 1º de junho, a Corte do Mar emitiu 307 registros de propriedade marítima (PRPM), documento que comprova essa regularização. O Tribunal Marítimo registra todos os navios de bandeira brasileira com mais de 100 toneladas de arqueação bruta (AB) — até essa marca, as inscrições são realizadas na capitania dos portos.
Além do recorde de registro de embarcações em 2021, o tribunal computou aumento no número de registros de armadores: 292 certificados de registro de armador (CRA), contra 194 em 2020 e 207 em 2019. No ‘Pré-REB’ foram 218 processos concluídos, além de 850 no Registro Especial Brasileiro (REB), que completa 25 anos em 2022. O CRA abrange desde navios petroleiros que operam para Transpetro, até o armador de pequeno porte com balsas com mais de 100t AB que trafegam na Amazônia.“Estamos registrando mais navios. É uma sinalização de que as pessoas estão investindo e acreditando que a indústria marítima está em tendência de crescimento”, afirmou o presidente do Tribunal Marítimo, almirante Lima Filho, em entrevista exclusiva à Portos e Navios. Ele acredita que, independente do programa de estímulo à cabotagem (BR do Mar), novas embarcações virão para o Brasil, com as projeções de aquecimento da indústria marítima de 2023 em diante.
Ele destacou que hoje ainda existe uma exploração importante de petróleo e gás nas bacias de Campos e Santos com presença grande de embarcações de apoio marítimo, sendo grande parte registrada no REB. “Nesses 25 anos, comemoramos porque temos diretamente contribuído para o desenvolvimento do país, uma vez que navios vêm para cá atuar principalmente no apoio marítimo, alguns para cabotagem, contribuindo para o ‘PIB do Mar’”, avaliou.
Lima Filho chamou atenção para a necessidade do registro brasileiro aliado à atuação do Tribunal Marítimo, composto por juízes especialistas que irão julgar com conhecimento de causa eventuais acidentes e fatos da navegação. Ele considera que, como muitos navios de bandeira brasileira pertencem a armadores de outros países, é importante que esses grupos econômicos encontrem segurança jurídica no país.
Com a previsão de uma série de poços e plataformas de petróleo e gás encerrando seu ciclo de operação nos próximos anos, existe perspectiva de descomissionamento e transporte das estruturas para desmantelamento em outros países ou no Brasil, quando houver legislação e instalações certificadas. Apesar de não ter ligação direta com a atividade, o Tribunal Marítimo terá papel de encerrar registros de FPSOs que forem descomissionadas ou ainda no julgamento de acidentes, caso ocorram. Também existe expectativa para eólicas offshore, segmento que já possui processos protocolados no Ibama. A avaliação é que a geração de energia a partir dos ventos em alto mar fomentará uma quantidade relevante de navios, a maioria afretados, voltados para manutenção e instalação desses parques eólicos, que precisarão de registro.
BR do Mar
Para o Tribunal Marítimo, haverá um impacto no aumento na procura pelo Registro Especial Brasileiro (REB) a partir do BR do Mar. A Corte do Mar atuará em casos de afretamento a casco nu com suspensão de bandeira. Nos casos de afretamento a casco nu sem exigência de tonelagem, o processo passará primeiro pela ANTAQ, onde a empresa buscará um atestado de conformidade para então dar entrada no Tribunal Marítimo. Lima Filho vê uma grande possibilidade de aumentar o número de navios que vão atuar na cabotagem a partir da liberação gradual, prevista no programa, do número de navios permitidos que as empresas poderão afretar a casco nu sem exigência de tonelagem.
Ele ressaltou que não haverá participação do Tribunal Marítimo nos casos de afretamento por tempo previstos na lei 14.301. “O Estado brasileiro tem a preocupação de que esses navios que estão vindo estejam em consonância com a LESTA (9537/1997). Não podemos aceitar que navios ‘substandard’ venham para o Brasil, porque hoje não vêm porque há atuação forte da autoridade marítima brasileira”, ponderou. A LESTA aborda a segurança do tráfego aquaviário em águas jurisdicionais brasileiras (AJB).
O juiz-presidente do Tribunal Marítimo visualiza a lei 14.301 em duas vertentes, sendo a primeira focada no estímulo à cabotagem, à concorrência e ao aumento de navios atuando no modal, além da possibilidade de afretamento de embarcações por tempo. Já a segunda parte da lei altera o marco regulatório da navegação (lei 9432/1997), o que demandará alterações no decreto 2256/1997, que regulamenta esta lei. Desde então, o Tribunal Marítimo contabiliza 3.419 embarcações inscritas no REB.
Lima Filho disse que quando essas leis e decretos forem alterados e a lei regulamentada, diversos segmentos e órgãos na ponta da linha terão que ajustar suas normas infralegais da ANTAQ, autoridade marítima e regras do Tribunal Marítimo. “Nesse momento, estamos aguardando a regulamentação da 14.301, depois a nova alteração no decreto 2256/1997, em virtude dessas alterações impostas pela segunda parte da 14.301/2022”, afirmou.
Ele acrescentou que, há um ano, o Tribunal Marítimo e ANTAQ buscaram aproximação a fim de se debruçar sobre o processo de registro de embarcações. O processo de afretamento de embarcações a casco nu, com suspensão de bandeira, começa na ANTAQ, onde é apresentado certificado de afretamento e então vai à Capitania dos Portos para receber o atestado especial para REB, depois seguindo para o Tribunal Marítimo. Antes da Lei 14.301, a empresa de navegação precisava do atestado de tonelagem.
Indicação para ANTAQ
O atual presidente da Corte do Mar encerra mandato no próximo mês. A transmissão de cargo de juiz-presidente será feita junto com a sessão solene de aniversário do Tribunal Marítimo. A cerimônia deve acontecer no início de agosto, em data a ser divulgada. Em abril, Lima Filho recebeu indicação presidencial para a diretoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). O próximo passo é a sabatina no Senado, que ainda não possui data marcada.
Sendo aprovado na sabatina, a nomeação fica dependendo da publicação de decreto presidencial. “Estou no aguardo dessa sabatina. Não sei quando será, mas me sinto bastante preparado e motivado caso se concretize essa indicação para prosseguir trabalhando com comunidade marítima, tentando prestar melhor serviço à sociedade e ao país”, declarou.
Lima Filho está na presidência da Corte do Mar desde julho de 2018, após comandar a Diretoria de Portos e Costas (DPC) por três anos e ter sido capitão de portos por duas vezes. Ele considera que experiência na área marítima como fiscalizador, normatizador e julgador permitirá auxiliar a agência na regulação da prestação de serviços aquaviários e portuários. “A harmonização é a palavra-chave em sistemas colegiados. Tenho vontade de ajudar e que minha bagagem possa contribuir para aprimoramento da prestação de serviço aquaviário, respeitando as prerrogativas da autoridade marítima”, projetou.
Balanço
Lima Filho avalia que uma das ações mais importantes em sua gestão foi a operacionalização do sistema eletrônico de informações (SEI), desenvolvido pela equipe de TI do Tribunal Marítimo, em convênio com o Tribunal Regional da 4ª região (TRF-4). O sistema permite que as petições sejam feitas online. Os processos estão sendo analisados de forma híbrida porque alguns deles continuam tramitando fisicamente porque iniciaram antes da implantação do SEI. Os novos inquéritos chegam fisicamente ao tribunal para a identificação de não conformidades e são digitalizados, podendo ser acessados pelo sistema.
Ele destacou que, diante da pandemia em 2020, houve um período de adaptação de um mês para a realização de sessão por videoconferências, permitindo a sustentação oral à distância. As sessões chegaram a se alternar entre presenciais às terças-feiras e remotas às quintas-feiras durante a transição e, em 2022, voltaram a ser todas presenciais. Antes da pandemia, a sede no Rio de Janeiro, que data da década de 1860, já havia passado por melhorias nas instalações, com monitores para apresentação de slides durante as sessões e sistema de detecção de incêndios para preservar o patrimônio.
Em termos processuais, foram criadas ferramentas que permitem aos juízes acompanharem com mais detalhes as fases do processo, além de um mapa de controle de acórdãos. O Tribunal Marítimo possui uma média de 750 julgamentos por ano. Em 2020, quando a pandemia avançou pelo país, a média caiu para 670 julgamentos durante a etapa de adaptação. Lima Filho ressaltou que, já adaptados à nova rotina, os julgamentos subiram para 772 julgamentos em 2021.
No acumulado de 2022 até o final de maio, a Corte do Mar está com 340 julgamentos e tem como meta alcançar 800 julgamentos até o final do ano. “Vamos atingir com bastante facilidade. O sistema SEI está dando celeridade. Já tivemos julgamentos [via SEI] com processos que duraram um ano e um mês desde a entrada do processo no tribunal até julgamento”, contou.
Ele também destacou a comunicação do tribunal com a comunidade marítima como um de seus legados no período à frente do tribunal. O juiz-presidente citou a criação de um boletim que traz resumos de julgamentos e acórdãos sobre acidentes e fatos da navegação. “Para evitar acidentes da navegação, mais importante que fiscalização é conscientização e consolidação de mentalidade de segurança”, comentou.
Site: Portos e Navios – 06/07/2022
