2022-06-30
Acidente em porto da Jordânia serve de alerta para o Brasil

Especialistas ouvidos pela Portos e Navios para avaliar tragédia decorrente da queda e explosão de contêiner com gás cloro destacam importância da segurança do transporte de produtos perigosos e/ou tóxicos, em terminais portuários brasileiros

O grave acidente no pátio do Porto de Aqab na Jordânia, que até o momento causou a morte de 13 profissionais e deixou mais de 250 feridos, chamou a atenção de especialistas em segurança de produtos perigosos e/ou tóxicos, que entram e saem dos terminais portuários do Brasil. A tragédia ocorreu na última segunda-feira (27), após a queda de um contêiner do tipo isotanque contendo gás cloro, que é tóxico para as pessoas.

Executivo titular da International Risk Veritas – consultoria em gestão de riscos empresariais, Alfredo Chaia lamentou o acidente e as perdas de vidas, ponderando que o episódio traz para debate a importância dos controles, preparação e resposta a acidentes relacionados ao manuseio e transporte de produtos perigosos.

“As informações oficiais são limitadas, mas as circunstâncias e os vídeos que circularam induzem a considerar que o acidente teria sido causado a partir do rompimento dos cabos de aço, durante a operação de içamento e carregamento de contêiner Isotanque, com supostamente 25 toneladas de gás cloro”, salientou Chaia à Portos e Navios.

Em sua opinião, a tragédia serviu para alertar para o fato de que, para cada tipo de carga perigosa, há uma embalagem adequada, devendo estar clara a existência de riscos, para que todo o processo possa ser feito em conformidade com as regras de segurança.

Ele explicou que o cloro é um elemento utilizado na indústria e em produtos domésticos, mas em algumas circunstâncias pode formar gás venenoso. “O gás de cloro pode ser reconhecido pelo seu odor picante, irritante, que é como o odor de alvejante; e amarelo esverdeado na cor. O cloro em si não é inflamável, mas pode reagir explosivamente ou formar compostos explosivos com outros produtos químicos, tais como terebintina e amoníaco”, relatou Chaia, que também é sócio fundador e atual presidente do Clube Internacional de Seguros de Transportes e membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Gerenciamento de Riscos.

Ele também informou que o gás cloro pode ser pressurizado e resfriado para transformá-lo em líquido, podendo ser transportado e armazenado, como foi o caso na Jordânia. “Quando o cloro líquido é liberado, ele rapidamente se transforma em um gás que fica próximo ao solo e se espalha rapidamente. O gás cloro tem cor amarelo-esverdeada. O limite de odor do cloro é varia de 0,2 a 0,4 ppm (partes por milhão), mas a toxicidade ao cloro gasoso depende da dose e duração da exposição”, detalhou.

Chaia completou que, em concentrações de até 3 ppm, o cloro gasoso atua como irritante ocular e da mucosa oral. “A 15 ppm, há o início dos sintomas pulmonares, podendo ser fatal a 430 ppm, em 30 minutos. Nesse caso [do acidente no porto da Jordânia], a concentração foi muito maior”.

Medidas de segurança

Ao avaliar o setor de transporte e logística de modo mais amplo, o executivo da International Risk Veritas disse que o segmento é repleto de desafios, tanto na hora de programar a entrega e cumprir prazos quanto no próprio transporte, além da missão de atuar na carga e descarga de produtos pesados, frágeis e de cargas perigosas.

“Nesse contexto a Organização Marítima Internacional (IMO) estabelece normas para classificação e transporte de cargas perigosas. Nesse grupo estão todas as substâncias que possam colocar em risco a saúde das pessoas, o meio ambiente e a segurança pública por meio de explosão, incêndio, toxicidade e envenenamento”, pontuou.

No caso do território brasileiro, Chaia destacou os critérios para que diversas substâncias sejam enquadradas ou não como cargas perigosas, sendo elas determinadas na portaria 204/1997 do Ministério dos Transportes, atual Ministério da Infraestrutura. Esses tipos de cargas são divididos em nove classes, incluindo os gases tóxicos. Em sua visão, como o Brasil está inserido na complexa cadeia internacional de produção e consumo, os portos daqui operam, largamente, com produtos perigosos. “Os portos e terminais, que operam com navios full contêiner, devem estar particularmente atentos ao manuseio de cargas perigosas”.

“Todas as pessoas envolvidas na carga, descarga e transporte de produtos perigosos precisam estar treinadas e usar equipamentos de proteção individual, seguindo as características da carga. A sinalização e rótulos devem deixar evidente o risco possível que o produto transportado gera. O número ONU-IMO com quatro dígitos deve ser colocado à vista no rótulo, abaixo do painel laranja. Esse cuidado simplifica a identificação do produto, em caso de acidente ou vazamento, por exemplo”, acrescentou.

Chaia também citou o IMDG Code (International Maritime Dangerous Goods Code ou Código Marítimo Internacional de Produtos Perigosos, em português), que é voltado para o transporte marítimo em viagens internacionais, nos moldes estabelecidos pela Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas, na sigla em inglês). “Considerando a expectativa de ampliação das viagens de cabotagem, o tema [segurança portuária] ganha maior relevância no Brasil, além da harmonização da logística intermodal e da aplicação de outras normas”.

A diretora administrativa da Zorzin Logística, Gislaine Zorzin, salientou que, no Brasil existem muitas leis, resoluções e normas que regulamentam o transporte e a logística internacional de cargas. “Creio que um acidente desse tamanho, certamente, traz muitos aprendizados sobre como reduzir riscos, já que o cloro é um produto perigoso, mas extremamente necessário e presente em inúmeros setores essenciais para a sociedade. Logo, quanto melhor for a qualidade no serviço de distribuição e armazenamento dele, melhor será para a economia do nosso país”, comentou à Portos e Navios.

Espaços adequados e regras de transporte

Sobre a adequação de espaços nos portos para embarque e desembarques de cargas perigosas e/ou tóxicas, o executivo da Risk Veritas afirmou que existem terminais específicos para navios-tanque de cargas do gênero. Nesses casos, a especialização e atenção com a segurança das operações fazem parte de todo o processo. “Entretanto, em terminais de cargas diversas é importante ficar atento às sinalizações apresentadas no contêiner e ter planos de preparação, prontidão e resposta a emergências ambientais”.

Para essa finalidade, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) determina todas as regras de transporte das cargas perigosas via resolução 5.232/2016. “Anteriormente, eram apenas 90 produtos incluídos nessa lista. No entanto, ela foi atualizada e agora a lista de mercadorias consideradas cargas perigosas tem mais de três mil itens”, informou Chaia.

Ele também citou os documentos obrigatórios para o transporte marítimo de cargas perigosas no Brasil, que incluem: FISPQ (Ficha de Informação de Produto Químico), MDGF (Multimodal Dangerous Goods Form), Ficha de Emergência (Anexo VIII da NR 29), MSDS (Material Safety Data Sheet), Certificado de conclusão do curso de Transporte de Produtos Perigosos (TPP), Certificado de Inspeção para o Transporte de Produtos Perigosos a Granel (CIPP), além de todas as exigências relativas ao transporte de cargas.

EPIs são vitais

Antes de qualquer ação em terminais portuários ou em quaisquer atividades que demandem o transporte e manuseio de produtos perigosos e/ou tóxicos, segundo a diretora administrativa da Zorzin Logística, Gislaine Zorzin, é crucial se certificar de que a equipe, que fará a operação, esteja devidamente treinada, habilitada e munida com os equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários, de forma que possa atendê-la de forma segura, em relação a qualquer tipo de emergência ligada ao produto que será movimentado.

“Os EPIs variam conforme o tipo da carga e do formato do transporte. Todas essas variáveis são instituídas e documentadas pela ANTT e transmitidas aos colaboradores por meio de treinamentos, acompanhamentos diários e inspeções. Além disso, é fundamental fazer uma vistoria prévia completa dos equipamentos de içamento, como guindastes, plataformas, cabos ou gaiolas, visando garantir que tudo esteja em perfeito estado, evitando qualquer problema mecânico que possa causar um acidente”, disse Gislaine.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Transporte e Logística de Produtos Perigosos (ABTLP), Sergio Sukadolnick, destacou outros acessórios que protegem os operadores desse tipo de carga. “Existem máscaras portáteis que permitem o uso imediato, em caso de acidentes. No Brasil, isso é obrigatório em qualquer local que manuseie esse tipo de produto, sendo o treinamento também obrigatório”, ressaltou.

Sobre o transporte em contêiner isotanque, como foi o caso no porto da Jordânia, Sukadolnick informou que ele é comum em todos os portos do país, lembrando que o Brasil é um grande importador de produtos químicos e que, em grande parte, são classificados como perigosos. “Os terminais portuários devem seguir as regulamentações da NR-29 (Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Portuário), que traz exigências como a compatibilidade e segregação destes produtos”, salientou o executivo.

Como evitar acidentes

Conforme o vice-presidente da ABTLP, todas as operações evolvendo produtos perigosos devem ser aprimoradas, com revisões periódicas. “Tipos de acidente iguais a esse [na Jordânia] podem ser evitados. Basta seguir as recomendações dos órgãos competentes, principalmente, seguindo as boas práticas quanto ao sistema de gestão, incluindo treinamentos específicos sobre os produtos manuseados, a manutenção adequada dos equipamentos de modo geral e para aqueles que fazem as operações de carga e descarga é imprescindível”.

Na opinião de Sukadolnick, ficou evidente o despreparo tanto do pessoal envolvido na operação como o atendimento à emergência, no porto de Aqab. “Temos de fazer tudo que estiver ao nosso alcance para evitar e prevenir acidentes. É nosso dever promover ações que eliminem qualquer acidente grave com vítimas, mas também devemos nos preparar para minimizarmos seus efeitos, se acontecerem”, avaliou.

Site: Portos e Navios – 30/06/2022


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